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Praça da Matriz de Itaberaí-GO: Diálogos e memórias em prol da preservação do patrimônio cultural local

As ações desenvolvidas durante esta intervenção pautaram-se na preservação do patrimônio histórico e cultural de Itaberaí-GO, representado pela Praça da Matriz, onde se formaram as primeiras casas, lojas e festas deste município, mas que vêm sendo esquecida pelas novas gerações devido às transformações sofridas na cidade. Buscou-se resgatar junto aos moradores do entorno da praça, com os alunos envolvidos na intervenção (jovens entre treze e dezoito anos da Escola Municipalizada Modestina Fonseca) e com seus familiares, memórias sobre o local pautadas no conhecimento e valorização da história e das manifestações culturais que dela emanam. Promovendo, assim, diálogos e reflexões sobre o patrimônio material e imaterial que ela transmite e observando os significados e ressignificados atribuídos à mesma, e como eles se apropriam do patrimônio local, através de uma reflexão entre diferentes gerações sobre o espaço da Praça da Matriz e o significado que ela tem para a cidade de Itaberaí e para seus moradores.

Palavras-chave: Patrimônio. Memória. Práticas Educacionais.

Aluna: Elenice Belcholina da Serra

Polo: Águas Lindas

Orientador Acadêmico: José Eduardo Mendonça Umbelino Filho

Coordenadora de orientação: Vânia Dolores Estevam de Oliveira

Anexos

Imagem 22 e 23: Fotos do facebook “Barracão Cultural”. Fonte: Elenice B. Serra
Imagem 24: Festa do Divino Espírito Santo. Fonte: Elenice B. Serra
Imagem 25: Chá e visita escolar à praça da Matriz. Fonte: Elenice B. Serra

1. INTRODUÇÃO

O desejo de auxiliar na valorização e preservação da cultura, memória e patrimônios existentes na cidade de Itaberaí-GO, em especial a Praça da Matriz, local onde surgem as primeiras casas e manifestações religiosas da cidade, foi ampliado durante a Especialização Interdisciplinar em Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania. Mas é algo já despertado e presente nesta interventora deste os tempos da graduação em História e enquanto cidadã itaberina e professora efetiva regente deste município.

Para os passos iniciais da especialização, propuseram-se conversas e posts no facebook, questionando aos moradores sobre o que consideravam como patrimônio histórico e cultural do município. Entre os elementos citados, destacou-se a Praça da Matriz, espaço que é um dos marcos iniciais da formação da cidade de Itaberaí, antes denominada Curralinho ou Arraial de Nossa Senhora da Abadia do Curralinho, cuja busca de recontar a história de seus fundadores ainda se encontra envolvida em narrativas míticas, como escreveu Pinheiro (2003).

Mas, longe de querer definir fundadores ou história da cidade e sim garantir a valorização e preservação do espaço da Praça da Matriz, a intervenção fundamentou-se nos seguintes questionamentos: “Como os moradores significam sua cultura a partir da Praça da Matriz? O que tem de importante na praça para seus moradores? A modernização da cidade trouxe alterações nas expressões culturais (festejos religiosos) realizados a partir do espaço territorial da praça? Como preservar e valorizar o patrimônio histórico e cultural da cidade representado pela Praça da Matriz?”

Pautada nestas observações, a presente intervenção parte do resgate da memória sobre a Praça da Matriz a partir da observação de duas gerações diferentes: os moradores antigos do entorno da praça e os jovens alunos da Escola Modestina Fonseca, buscando desenvolver ações pautadas na educação patrimonial em prol da valorização e preservação do espaço, com suas construções antigas e manifestações culturais, aumentando o número de visitas ao local e buscando compreender como a comunidade significa e ressignifica este espaço.

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2. DESENVOLVIMENTO: OS CAMINHOS DA INTERVENÇÃO

Os caminhos da intervenção (desenvolvida entre fevereiro e junho de 2015) se fizeram pautados em objetivos delimitados já nas primeiras conversas e observações com os colaboradores da ação, que são os moradores do entorno da praça e alunos selecionados para sua execução. Oobjeto de estudo buscou, como destaca Junqueira (2011), a possibilidade de envolver novos atores na preservação patrimonial em que “cada um deles se apropria a seu modo da cidade tornando-a um lugar da sociabilidade...” (p. 62), com suas referências próprias sobre o que é patrimônio cultural. Estes objetivos serão descritos a seguir.

2.1. OBJETIVO GERAL

Realizar o resgate de memória e provocar reflexões dos moradores da cidade de Itaberaí-GO, representados por amostragem (moradores antigos e alunos do 9º ano da Escola Municipalizada Modestina Fonseca), sobre a Praça da Matriz enquanto espaço de convivência, preservação patrimonial e ressignificação da cultura local.

2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

2.3. A INTERVENÇÃO: DIÁLOGOS E MEMÓRIAS EM PROL DA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL LOCAL

Já no início da especialização, a ideia principal era refletir e promover ações que favorecessem a preservação e valorização do espaço da Praça da Matriz em seu contexto patrimonial e histórico. O que se pautou no estabelecimento de diálogos com moradores do entorno da praça, principalmente os antigos, para entender o significado que ela tem para eles e como eles se apropriavam deste espaço.

Buscando formar disseminadores de ações de preservação do patrimônio cultural local, focou-se a intervenção no trabalho com as novas gerações no contexto escolar, onde, mais que ensinar a história da praça, se promoveriam diálogos e resgates de memórias das diferentes gerações sobre este espaço. Os alunos foram instigados a relatar o que consideravam como patrimônio histórico e cultural da cidade, conceitos estes trabalhados anteriormente. A Praça da Matriz e a Igreja foram lembradas, junto com as pontes e construções antigas, mas, ao pedir que os alunos desenhassem a praça, observou-se que muitos não a conheciam ou visitavam, pois alguns desenhos divergiam muito do espaço real, o que se observa nas ilustrações a seguir:

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Imagem 1: Desenho da Aluna D.F.S

Imagem 2: Desenho da Aluna E.A.R
Imagem 3: Imagem atual da igreja.
Foto: Elenice Belcholina

Além dos desenhos nas conversas iniciais, os alunos foram coletivamente questionados sobre: Que importância a Praça da Matriz de nossa cidade tem para os alunos dos 9º anos A e B, e se todos conhecem esta praça? O que podemos fazer para valorizar e divulgar o espaço da Praça da Matriz como um local de convivência social saudável para os diferentes grupos? Participam das festas que ocorrem na Praça da Matriz e como se apropriam delas?

Com a síntese destas questões, foi possível observar que a maioria dos alunos considerou a praça como um lugar importante para a cidade e fizeram relação entre ela e a preservação da história e cultura local, como observado nos relatos da aluna L. L. A., descrevendo que “A Praça da Matriz foi onde tudo começou, onde os primeiros povos existiam, onde as primeiras moradias surgiram em Itaberaí. Então, ela é muito importante, pois conta uma história”. Seu colega de sala, G. N. S., escreveu ainda que “A importância que a praça tem para mim é que a maioria da minha infância eu passei lá e até hoje eu vou lá à Igreja e ando de bicicleta, pois é tranquila e muito organizada”.

Outros alunos das duas turmas, a maioria não nascida no município, demonstraram não conhecer a praça e que ela “é uma praça como tantas outras” (aluno J. D. C.). Além do relato de uma aluna que diz ser este o local onde seus amigos vão para usar drogas.

Quanto à valorização e divulgação da praça, diferentes pontos foram levantados pelos alunos e serviram como norteador para a organização do desenvolvimento desta intervenção. No contexto da divulgação, quase todos contribuíram com as seguintes possibilidades: ensinar sua história nas escolas, realizar passeios, levar os amigos para passear na praça, postar fotos na internet (atuais e antigas).

No critério preservação, foi bastante destacado o não sujar o lugar, preservar as construções e festas e, por fim, a retirada dos usuários de drogas e policiamento do local.

Assim, foram selecionados oito alunos como amostragem das turmas dentre os que, depois de convidados, livremente se ofereceram para participar da intervenção. Priorizou-se aqueles que já conheciam ou moravam no entorno da praça (sete deles) e aqueles que não conheciam ou nunca haviam visitado a praça (um deles). Com estes foram aplicados questionários de entrevista e atividades dirigidas em conjunto e em separado com os demais alunos, buscando fazer deles sementes disseminadoras da preservação do patrimônio local.

Nestes questionários de amostragem foram abordados com os alunos e moradores temas como a importância da praça, o significado que ela tem para os entrevistados, como eles observam o interesse dos jovens por este espaço, como imaginam a praça daqui a alguns anos. Elementos estes que foram utilizados para elaborar os objetivos iniciais do projeto de intervenção, mas também para revisões no mesmo, cujos relatos nortearam várias etapas e ações do projeto.

Dos oito alunos entrevistados, apenas um não conhecia a praça, como observado em seu relato: “ eu não sei o que ela tem de importante porque nunca fui lá” ( Aluno L. F. G. M. A.)”. Entre os demais, muitos a conheciam por causa das festas, sem, no entanto, conhecer sua história, o que motivou as aulas sobre a história do local e visita ao museu, conforme relatou o aluno J. D. C.: “Como não conheço bem a história da praça e não sei sua importância para nossa cidade, ela é uma praça como todas as outras”.

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Quanto ao significado que a praça tem para as novas gerações, na análise dos relatos dos entrevistados observou-se que, apesar da maioria conhecer o local, ela tem diferentes significados para os jovens de sua idade. Três dos oito entrevistados destacaram o pouco interesse dos jovens pela praça e, dos oito entrevistados, um não respondeu a este questionamento; dois deram respostas vagas para a pergunta e os demais atribuíram importância da festa da padroeira e a história do lugar, como observado nos relatos da aluna L. L. A.: “O interesse dos jovens está cada vez menor. Para a maioria das pessoas ela não passa de uma simples praça. Várias festas são realizadas lá, mas ainda o desinteresse é grande”, e da aluna B. V. R. O.: “Eu, como jovem, posso dizer que não tenho interesse pela praça, mas sim pelas festas que lá acontecem”.

A aluna L.M.C. destaca a importância da praça para ela e as novas gerações, ligada ao conhecimento de sua história e dos festejos realizados no local, ao descrever que:

Se o jovem não conhece a história da praça é só mais uma praça pra encontros de pessoas. Mas se ele conhece a praça, tem outro olhar do jovem o fazendo dar mais importância para a praça.

Um jovem católico tem mais interesse pela Praça da Matriz do que um jovem evangélico ou ateu. Pois, este participa da novena e tem mais familiaridade com ela. Mas também há jovens que vão à igreja durante os festejos, por terem uma admiração e respeito pela praça, por conta de sua importância para Itaberaí.

Já o aluno P. L.S.O., em seu relato, também destacou o desinteresse de parte da juventude pela praça, onde, segundo ele, “os jovens de hoje em dia não se interessam muito pelas construções antigas, mas pelas festas eles se interessam muito, onde tem mais diversão e não é a mesma coisa que visitar um museu”.

Com os moradores da praça foi possível observar dois pontos que também foram importantes para nortear as ações da intervenção: o outro uso dela, para práticas ilícitas, que a transforma em um espaço perigoso principalmente durante o período noturno, como mostra a senhora Aparecida, ao relatar que o lugar “era uma área de lazer, onde todo mundo poderia sentar, conversar; mas ultimamente estão vindo muitas pessoas de fora pra cá. Vem à noite, bem baderneiro, quebra vidro, grita. Então, era muito da paz e agora não está sendo assim”. Há, ainda, o fato da praça ser vista como um espaço de lazer e harmonia entre as pessoas, como descreve o relato da senhora Maria Júlia:

A Praça da Matriz significa para mim berço, paraíso onde minha família e eu, passamos nossas vidas.

Nascemos e vivemos até hoje na mesma praça, usufruindo de sua tranquilidade à sombra de suas árvores, da amizade entre os vizinhos e da alegria de termos como vizinha a nossa querida padroeira Nossa Senhora da Abadia.

Neste momento, se fez necessária uma revisão no projeto inicial de intervenção, já apresentado para avaliação na banca de validação. Devido a algumas dificuldades na execução, como o tempo para finalizar versus o calendário escolar, dentre outras sugestões recebidas após a banca de validação, passou-se a priorizar as ações com os alunos da Escola Modestina Fonseca, tendo nos moradores da praça um ponto de apoio para reflexões sobre a história e memória acerca daquele espaço. Foram, então, acrescentados alguns pontos ao projeto, definindo-se como ações finais da intervenção a produção de um livro de relatos com as observações dos alunos, a promoção de um chá literário durante visita guiada ao largo da matriz e ao museu local, pesquisas com familiares dos alunos para resgate de memória e valorização da cultura oral, além de algumas atividades já anteriormente previstas.

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2.3.1 Detalhando as Ações Práticas da Intervenção

Para embasar as ações práticas da intervenção no contexto dos alunos da Escola Municipalizada Modestina Fonseca, foi necessária a parceria e permissão da equipe gestora para se realizar mudanças no currículo previsto para as aulas de História, ministradas na unidade pela interventora. Estas seriam usadas para a execução de algumas etapas da intervenção, visto que para as turmas de 9º ano o currículo não aborda conteúdos específicos sobre o patrimônio e história local, mas permite que nos contextos dos conteúdos referentes às Revoluções Industriais, Primeira República e Guerras Mundiais se façam paralelos com a história de Goiás e do município.

Assim, adaptou-se o currículo e conteúdos da Matriz de Ensino Unificado da Rede Municipal de Educação do Município de Itaberaí com duas aulas para se trabalhar a história da cidade e, consequentemente, da Praça da Matriz. A base foram os estudos de Pinheiro (2003) no livro “Os tempos míticos das cidades goianas: mitos de origem e invenção de tradições”, o qual se propôs a debater as visões dos pioneiros do local utilizando documentos que discutem os mitos dos fundadores do município e analisando as informações trazidas pelo vilaboense Derval Alves de Castro no livro “Annaes da Comarca do Rio das Pedras” que, durante muito tempo, foi utilizado como referência para as cartilhas e apostilas da história de Itaberaí. Também foi utilizado um vídeo do Programa Goiás Mais. Como observado nas fotos:

Imagem 4: Aulas sobre a história da Praça da Matriz com imagens antigas.
Foto: Elenice Belcholina
Imagem 5: Vídeo com a história de Itaberaí e contexto atual do site: Goiás Mais. (8ª ed.)
Foto: Elenice Belcholina

Ainda nas adaptações da matriz curricular, os alunos foram convidados a ler e fazer releituras escritas de relatos e textos de outros autores locais com contos, poemas e fatos acontecidos na Praça da Matriz e entorno (como mostram as fotos ilustrativas), sendo estes não de cunho histórico, mas das memórias dos escritores que os produziram. As informações obtidas junto aos moradores das casas do largo da matriz eram também inseridas nos diálogos em sala, bem como os festejos nela realizados, através de fotos e diálogos repassados a estes alunos pela interventora. Ampliava-se, assim, o resgate de memória e o confronto de opiniões das diferentes gerações sobre o pertencimento do espaço da praça.

Imagem 6: Explicação da professora interventora sobre o trabalho com livros de autores itaberinos.
 Foto: Elenice Belcholina
Imagem 7: Alunos 9º ano B em grupos para leituras e releituras de autores itaberinos.
Foto: Elenice Belcholina
Imagem 8: Alunos 9º ano A  em grupos para leituras e releituras de autores itaberinos.
Foto: Elenice Belcholina

Propôs-se, também, a produção de mapas de localização da escola até a praça com seus pontos de referência no percurso, mapa da própria praça (Imagem 7. Foto: Elenice Belcholina) e pesquisa com histórias contadas pelos familiares sobre o local para posterior apresentação. Um dos grupos produziu slides sobre a história oficial do município, que foram apresentados aos demais colegas.

Imagem 9: Mapa da praça produzido em sala de aula.
Foto: Elenice Belcholina
Imagem 10: Apresentação de trabalhos sobre a praça.
Foto: Elenice Belcholina
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Dentre as histórias trazidas pelos alunos das conversas com os familiares, e que são representações da memória e imaginário da população local, destacaram-se o relato da forca colocada por um padre no pátio da igreja e da noiva fantasma, registradas a seguir, segundo reconto dos próprios alunos.

A forca do pátio da igreja

Há muitos anos atrás havia um padre muito rígido que certa vez mandou colocar uma forca no pátio da igreja para enforcar pessoas “pecadoras”. Após anos enforcando pessoas até mesmo inocentes, os habitantes de Itaberaí fizeram uma rebelião e decidiram enforcar o padre e no dia seguinte eles derrubaram a forca e instalaram uma cruz para lembrarem das pessoas que morreram ali (Aluna L. P.).

A noiva fantasma

Dizem que certa noite uma noiva pronta para entrar na igreja tropeçou no degrau e, ao bater a cabeça, veio a falecer.

Moradores da região da praça dizem que até hoje, à meia noite, a mulher anda pela igreja assustando as pessoas (Aluno B. V. R. O).

Após as apresentações feitas em sala de aula, foi definida, com os alunos, a data do Chá Literário na Praça da Matriz, complementado com uma visita ao Museu Local, onde, além de conhecer mais sobre a história e memória do município e da própria praça com seu largo, os alunos puderam trocar experiências e informações entre si e com os moradores do lugar. Ficaram definidos os dias 9 de junho com o 9º ano A, e 11 de junho com o 9º ano B.

Imagens 11 e 12: Chá literário na Praça da Matriz.
Foto: Elenice Belcholina
Imagens 13 e 14: Visitas guiadas ao museu: diálogos e resgate de memória.
Foto: Elenice Belcholina
Imagens 15 e 16: Passeios pelos entornos do largo da Matriz e conversa com moradores.
Foto: Elenice Belcholina

Nesta troca de experiência e diálogos, promovida na visita aos arredores da praça e ao museu, os alunos conheceram histórias como a do Padre Pedro, que, tendo colocado uma cruz no cemitério antigo da cidade, viu-a se transformar em uma árvore mantendo os braços em cruz, o que foi tido como milagre, trazendo muitos fiéis para o município atrás de suas bênçãos, dentre outras.

De volta à escola, além dos relatos orais, os alunos foram convidados a produzirem textos individuais ou em grupos, com suas observações e impressões antes e após o Chá Literário, os quais, após digitados, formaram o livro de registros da intervenção (Fotos 15, 16 e 17), depositado na biblioteca da escola como uma devolutiva pela parceria implementada.

Imagem 17: Capa do livro de registros da intervenção.
Foto: Elenice Belcholina
Imagem 18: Parte 3 do livro dedicada aos relatos.
Foto: Elenice Belcholina
Imagem 19: Registro e ilustração feita por um aluno.
Foto: Elenice Belcholina

Todo o trabalho realizado durante a intervenção mostrou-se válido e gratificante, principalmente nos momentos de conclusão do projeto, quando as preocupações com a preservação da nossa história e patrimônio foram expressas durante os diálogos dos alunos. Estes, através dos seus questionamentos e contribuições, demonstraram a validade e significância das ações propostas.

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Junto aos moradores da praça, além dos diálogos sobre o local, foi possível observar as preocupações com a preservação da mesma e sua valorização enquanto patrimônio local e de estar se passando isto para as futuras gerações. Fator destacado em ações como as das moradoras Maria Júlia e Benedita Bailão que, mesmo reformando suas casas, mantiveram na fachada da frente a mesma arquitetura deixada por seus antepassados, bem como por sua disposição de conversarem com as novas gerações.

É válido destacar também a participação desta interventora na festa da Folia do Divino Espírito Santo (Fotos 18 e 19), que ocorre no domingo de pentecostes a partir da Igreja da Matriz e é uma das festas mais antigas do município. A festa é, atualmente, nomeada por alguns de a “folia das mulheres” por ser, há vários anos, cantada em primeira voz sempre por uma mulher, apesar de contar com a presença de violeiros e cantadores. A celebração tem como imperatriz e uma das organizadoras a senhora Benedita Bailão, que oferece o café da manhã coletivo e auxilia na cantoria da folia. Fatos estes levados para discussão nas salas de aulas junto com os alunos das turmas de 9º ano, através das fotos e relatos.

Imagens 20 e 21: Folia do Divino Espírito Santo em Itaberaí-GO 2015. A folia das mulheres.
Foto: Elenice Belcholina

3. CONCLUSÃO: A PRAÇA DA MATRIZ SIGNIFICADOS E RESSIGNIFICADOS DO PATRIMÔNIO LOCAL PARA AS DIFERENTES GERAÇÕES

O trabalho com resgate de memória é algo muito gratificante, mas, peculiar, pois permeia as visões oficiais da história e as visões particulares dos envolvidos, detendo diferentes percepções se analisadas dentro do contexto de sociedades que dominam a escrita ou não, mas que colocam suas particularidades e vivências ao descrever fatos e locais, como observa Pinheiro (2003). Reconstruir o passado da praça se faz importante para que as novas gerações, que ainda não a conhecem ou não se apropriaram dela, tenham um ponto de pertencimento deste espaço.

A busca da memória coletiva através dos resgates de lembranças permite um olhar menos teórico daquele que é proporcionado pelos relatos oficiais que, em muitos casos, ainda privilegiam os vencedores ou aqueles que se destacaram no cenário central dos acontecimentos. Também permite visões atuais sobre o espaço em estudo, o que favorece comparações mais imediatas das diferentes percepções. Como ressalta Pollak (1992), a memória se torna “um elemento constitutivo do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si (p. 204).

Relembrando, ainda, as citações de Pinheiro (2003) ao analisar como os viajantes descreveram a Curralinho de meados dos anos de 1800, com poucas casas no entorno da Igreja da Abadia, muitas dessas em péssimo estado de conservação, como visto nos relatos de Pohl (a visitou em 1818) e de Cunha Matos (vista em meados de 1824), é possível imaginar que as transformações ocorridas desde suas origens até os dias de hoje foram muitas, seja pela necessidade de garantir que as edificações não desmoronassem ou em busca de melhorias e conforto nessas construções. Isto nos leva à compreensão que preservamos parte da nossa história e do patrimônio local, principalmente o que a memória dos nossos antepassados guardou, seja com fotos, pinturas, relatos escritos ou orais.

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O resultado obtido com as ações da intervenção, principalmente no contexto escolar junto aos jovens alunos da Escola Municipalizada Modestina Fonseca, fica claro ao ver uma maior aproximação destes com o espaço da praça, discutindo propostas para preservá-la e se sentindo pertencentes à própria história e cultura local, nas práticas simples de apropriação do patrimônio, com resgate de sua história, participação em seus festejos e admiração e preservação de suas construções e manifestações culturais. Conforme aponta Gonçalves (1996), ao destacar que o pertencimento patrimonial não se limita a documentos legais, mas à forma como as pessoas se apropriam ou não dele.

Citando alguns relatos feitos pelos alunos ao término da intervenção, observa-se não apenas mais conhecimento sobre a Praça da Matriz, mas uma valorização deste espaço enquanto parte importante da nossa cultura e história, como destacam os relatos de alguns dos alunos que participaram da ação:

Na realização do projeto eu aprendi muito mais e achei importante podermos conhecer, nos aprofundarmos no conhecimento, entender e compreender a história de nossa cidade para que no futuro possamos passar tudo o que aprendemos para nossos filhos e netos.

Além disso, para sabermos também quão importante é a nossa cidade e, através disso, possamos contribuir para a preservação e cuidado do patrimônio histórico e cultural (Aluna D. F. S.).

O motivo que nós do 9º ano da Escola Modestina estamos trabalhando este tema: preservação é preservar para que futuras gerações de Itaberaí possam conhecer o verdadeiro significado da praça e não apenas festas. O real significado é a história de nossa cidade. (Aluno P. L. S. O.).

Depois da minha visita com a minha escola naquele museu e também na praça o meu pensamento sobre ela continua o mesmo, mas com mais um porém, que a Praça da Matriz é um grande patrimônio público, que nunca em hipótese alguma pode ser apagada. Espero levar a essa praça meus filhos, netos e até quem sabe os meus bisnetos e contar tudo o quanto aprendi e ainda vou aprender sobre esta praça e não só contar, mas também mostrar a eles as histórias antigas que a Praça da Matriz tem para oferecer (Aluna B. V. R. O.).

O desejo de querer voltar à praça outras vezes e de apresentá-la aos seus descendentes demonstra o pertencimento que estes e os demais alunos obtiveram ou ampliaram acerca do espaço da Praça da Matriz e do patrimônio que ela representa. Isto permitirá que ela seja preservada e valorizada pelas novas gerações como um espaço de convivência e integração e não como algo velho e ultrapassado como pensam alguns, valorizando o que ouviram das gerações antigas e levando eles próprios, para as futuras gerações, suas vivências, histórias e memórias.

No contato com os moradores das casas ao redor da Praça da Matriz, além dos relatos cotidianos, destaca-se a participação durante a folia, quando foi possível verificar uma integração entre jovens, crianças e idosos, moradores ou não do local, onde ocorreu também uma cavalgada relembrando a vinda dos roceiros para as celebrações religiosas do município. Esta foi encerrada com um almoço realizado na Academia Itaberina de Letras e Artes, contando com a participação da Comissão Goiana e Itaberina de Folclore, além de moradores do largo da matriz. Estas observações foram relatadas em um texto publicado no facebook do Grupo de Cultura Itaberina, como tentativa de incentivar a valorização e preservação deste espaço coletivo e pertencente a todas as gerações, junto com outro texto sobre o uso da praça enquanto lugar para convívio e práticas educacionais.

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Findadas as ações propostas para a intervenção, muitas perguntas surgiram e não puderam ser respondidas no seu curto tempo de realização, necessitando novos estudos, tais como: o discurso do patrimônio no choque das gerações (De quem é o patrimônio? Como cada geração o vê e se apropria dele?); O resgate cultural pretendido na Folia do Divino Espírito Santo é possível, ou, assim como as Cavalhadas, desapareceram desta festa, também se perderam com o tempo a cantoria e as ladainhas?; Como a urbanização e industrialização podem conviver harmonicamente com as culturas de nossos antepassados? Há espaço para os dois ou o que será priorizado pelas futuras gerações?; Como as práticas educacionais e o ensino escolar podem contribuir para a preservação e valorização do patrimônio histórico e cultural das cidades goianas, mesmo não sendo estas turísticas? Visualizando o patrimônio imaterial da praça, reflete-se sobre quais as mudanças sofridas nos festejos a partir do espaço, como e quando ocorreram? Estas mudanças aproximaram ou distanciaram a população local destas manifestações? O vivenciar da praça pelos moradores de seu entorno difere em quê do vivenciar dos moradores de outros bairros? Por que a praça referência para as novas gerações é a praça central, próxima aos bancos, e não a Praça da Matriz?

Destaca-se, ainda, a importância que as práticas educacionais têm como fontes motoras da disseminação e valorização das práticas das sociedades humanas e seus patrimônios. Isso se dá promovendo ações, reflexões e estudos em prol da preservação ou demonstrando o declínio dessas manifestações, dessas práticas e dos próprios bens patrimoniais, fato observado nas diferentes fases da educação brasileira e nas atividades sociais de diferentes grupos dirigentes. Por este motivo, elas se tornam elementos capazes de auxiliar nas ações futuras e de trazer luz aos questionamentos não respondidos nesta intervenção.

REFERÊNCIAS

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JUNQUEIRA, Ivanilda Aparecida Andrade. Mobilidade e permanência no centro da cidade: relações e vivências na transformação da paisagem urbana. Uberlândia (1950 – 2010). Universidade Federal de Uberlândia; Instituto de História, Uberlândia, MG, 2011. 216 p. Tese (Doutorado em História - Disponível em: <http://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/1394/1/MobilidadesPermanenciasCentro.pdf>
Acesso em: 10 fev. 2015.

LIMA FILHO, Manuel Ferreira. Da matéria ao sujeito: inquietação patrimonial brasileira. Revista de Antropologia, USP, São Paulo, SP [s.l.], v. 52, n. 2, p. 606-632, jan. 2009. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/ra/article/view/27320/29092>. Acesso em: 17 fev. 2015.

PINHEIRO, Antônio César Caldas. Os tempos míticos das cidades goianas: mitos de origem e invenção de tradições. Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás 2003. Dissertação (Mestrado em História) - Disponível em:<https://pos.historia.ufg.br/up/113/o/PINHEIRO___Ant_nio_C_sar_Caldas._2003.pdf>. Acesso em: 11 fev. 2015.

POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, São Paulo, v. 5, n. 10, p. 200-215, 1992.