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O Museu e Centro de Cultura como Expressão do Patrimônio Material e Imaterial entre os Índios Xavante de Sangradouro-MT

Este trabalho consiste em apresentar a pesquisa, a intervenção e a oficina realizada entre os índios da etnia Xavante de Sangradouro no Estado de Mato Grosso, com o objetivo de verificar a importância que o museu e centro de cultura existente nessa aldeia possui para esse grupo étnico. Foi discutido o sentido de patrimônio material e imaterial entre os Xavante, e como o museu e centro de cultura é capaz de realizar ações que salvaguardem o patrimônio cultural dos índios que moram em Sangradouro. O estudo teve como discussão teórica autores de cunho antropológico e cultural, tais como: GEERTZ (1978); SCHEINER (2001); FONSECA (1997); entre outros. A metodologia utilizada para as ações de intervenção baseou-se nos pressupostos da pesquisa qualitativa, com as devidas adaptações a um trabalho intervencionista, utilizando questionário, bem como a observação das ações desenvolvidas no museu e centro de cultura Xavante como uma possibilidade de compreensão da realidade. Obteve-se como resultado a identificação que esse local é realmente importante para os índios de Sangradouro, pois o envolvimento e as ações que o espaço cultural realiza faz com que os Xavante mantenham vivas suas produções materiais e imateriais, próprias da sua cultura.

Palavras-Chave: Patrimônio. Cultura Xavante. Museu.

Aluno: Marcelo do Nascimento Melchior

Polo: Cidade de Goiás

Orientadora Acadêmica: Rosaura de Oliveira Vargas das Virgens

Coordenadora de orientação: Vânia Dolores Estevam de Oliveira

1. INTRODUÇÃO

A intervenção realizada proporcionou uma discussão sobre o sentido e a importância do patrimônio material e imaterial entre os índios da etnia Xavante da aldeia de Sangradouro-MT. Foi fundamental entender as concepções e, principalmente, as visões que esse grupo traz, as quais são singulares e específicas, pois, a cultura se materializa a partir das manifestações vivenciadas por esses indivíduos no ambiente em que os mesmos mantém relações sociais (GEERTZ, 1978).

Nesse sentido, destaca-se a importância que o Centro de Cultura Xavante de Sangradouro tem para os índios, no que se refere ao processo de materialização do seu patrimônio material/cultural, bem como os significados que os Xavante atribuem a partir do envolvimento com as atividades no museu, tais como: oficinas de audiovisual, cursos de artefatos, palestras e exposições. O patrimônio deve ser vivo e, principalmente, estar em consonância com a cultura e suas dinâmicas.

A tolerância não é uma posição contemplativa. É uma atitude dinâmica, que consiste em prever, compreender e promover o que quer existir. A diversidade das culturas humanas está atrás de nós, à nossa volta e à nossa frente. A única exigência que podemos fazer a seu respeito é que cada cultura contribua para a generosidade das outras (LÉVI-STRAUSS, 1993, p. 366).

Torna-se necessário compreender e entender os sistemas de conhecimento que fundamentam as práticas culturais dos Xavante. Um conhecimento que está em constante transformação, é dinâmico e nunca estático, sendo que modos de diferenciar pessoas e grupos não se limitam à esfera dos humanos, mas apoiam-se numa lógica mais ampla de classificação de todos os seres do universo, que não separa, como fazemos, uma ordem “humana” de outra ordem “natural” (IEPE, 2006, p. 27).

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A representação indígena está em consonância com o “todo”, nunca se fecha apenas no conhecimento do seu próprio grupo, mas, sim, o conhecer se dá por todas as coisas que estão no universo. “Grafismos e “marcas” constituem uma das manifestações dessa lógica, relacionando não só todas as esferas do universo como diferentes tempos, momentos da história das comunidades.

Da mesma maneira, “as festas não constituem apenas celebrações dos humanos, mas momentos em que todas as categorias de seres se fazem presentes, compartilhando jeitos de dançar, de cantar, de comer e de beber” (IEPE, 2006, p. 27). Todas as ações do cotidiano de um grupo podem ser chamadas de fenômenos culturais, aspecto muito claro dentro das populações indígenas. Sendo assim, apresentar-se-á neste relatório as relações que o museu exerce na construção do patrimônio material cultural desse grupo indígena.

A cultura, segundo Geertz (1978), desenvolverá entre os indivíduos de forma pública, não sendo jamais particular, formando “teias” que serão estabelecidas no convívio social, ligando os atores que por ela estarão envolvidos. “A cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles (os símbolos) podem ser descritos de forma inteligível – isto é, descritos com densidade” (GEERTZ, 1978, p. 67). Os Xavante de Sangradouro realizam interações, seja nas ações materiais ou imateriais que estão presentes no cotidiano desse grupo. Sendo assim, entender a cultura Xavante torna-se fundamental, pois, a partir da concepção cultural é que se pode avançar para a compreensão de outras ações desse grupo e, nesse caso particular, entender as dinâmicas do museu e centro de cultura existente na aldeia.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 O Patrimônio Cultural Indígena Xavante e as Políticas Públicas

Falar de patrimônio cultural indígena Xavante remete à compreensão de diversos fatores que geram e dão significados para um indivíduo ou um grupo de indivíduos, pois patrimônio cultural é o conjunto de todos os bens materiais ou imateriais que estão expressos na cultura e identidade de um determinado povo (FONSECA, 1997, p. 100). Portanto, um templo, uma igreja um casarão, pinturas, artesanatos, ritos, músicas, e folclore, entre outros, enquadram-se como patrimônio cultural, sendo estes: material ou imaterial.

O órgão responsável pela proteção do Patrimônio Cultural no Brasil é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), ficando encarregado também pela realização dos tombamentos. Sua promulgação se deu pelo Decreto de Lei número 25, em 30 de novembro de 1937. É responsabilidade do IPHAN desenvolver políticas públicas que assegurem o desenvolvimento e a preservação do Patrimônio Cultural do Brasil. Deste modo, o Instituto pode ser “uma fórmula realista de compromisso entre o direito individual à propriedade e a defesa do interesse público relativamente à preservação de valores culturais” (FONSECA, 1997, p. 115). Nesse sentido, esse órgão é uma representação como também assegura os direitos individuais e coletivos do patrimônio cultural brasileiro.

É expresso na Constituição de 1988, especificamente no artigo 215, que: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional (...)” (BRASIL, 1988, art. 215). É função do Estado garantir o desenvolvimento e o estabelecimento dos direitos culturais, bem como a preservação e o acesso dos indivíduos ao patrimônio cultural. E no artigo 216 diz que: “O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação” (BRASIL, 1988, art. 216).

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Cuidar do patrimônio cultural de uma sociedade é fundamental, pois, a cultura de um povo está presente neste patrimônio, sendo algo vivo e expressivo para as pessoas. Hoje, mais do que nunca, é necessário um trabalho educacional em todos os sentidos para que os indivíduos, coletivamente e individualmente, sintam-se responsáveis pelo seu patrimônio cultural.

Sendo assim, as ações desenvolvidas no centro de cultura de Sangradouro estabelecem uma relação política e social, fazendo com que o patrimônio Xavante seja salvaguardado e materializado através do local. Porém, uma das dificuldades para a manutenção do centro encontra-se em ordem financeira, pois os incentivos e as políticas públicas no Brasil ainda são deficitários. Desde a sua fundação, o museu e centro de cultura Xavante não recebeu nenhum recurso de ordem financeira advindo do governo federal e isso faz com que as suas atividades sejam limitadas, prejudicando o desenvolvimento de ações culturais específicas do local.

2.2 O Caminho Teórico–Metodológico Percorrido

Os estudos surgem por inúmeras inquietações que me acompanham ao longo de alguns anos, devido ao contato que possuo com esse grupo étnico. Trabalho com os Xavante da aldeia de Sangradouro de forma direta desde o ano 2000. A primeira vez que estive nessa aldeia, tive uma relação não somente de pesquisador, mas de indignação com a situação de pobreza e abandono do povoado. As políticas públicas, principalmente advindas da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), não eram e continuam não sendo executadas conforme deveriam ser, gerando inúmeros problemas, principalmente relacionados à saúde, educação e habitação. Foi nesse contexto que comecei a realizar projetos de cunho social e acadêmico em Sangradouro com os Xavante ao longo desses anos. E, em 2015, tendo em vista a conclusão da Especialização Interdisciplinar em Patrimônio Direitos Culturais e Cidadania, apresentei como proposta realizar uma participação/intervenção no museu e centro de cultura Xavante de Sangradouro - MT, por ter um contato com o grupo e principalmente conhecer a realidade na qual o centro foi criado.

Fora realizada uma discussão teórico-metodológica com autores que estão na área da Antropologia, História, Políticas Públicas, Educação, Filosofia e que de certo modo fazem um diálogo com as demais áreas do conhecimento, no que se remete a estudos de preservação do patrimônio cultural indígena material/imaterial.

O conjunto de criações que emanam de uma comunidade cultural e são fundadas na tradição, expressas por um grupo ou por indivíduos e reconhecidas porque atendem às expectativas da comunidade enquanto expressão da identidade cultural e social, das normas e dos valores que se transmitem oralmente, por imitação ou outros modos. Suas formas de expressão compreendem, entre outros: a língua, a literatura, a música, a dança, os jogos, a mitologia, os ritos, os costumes, o artesanato, a arquitetura e outras artes (LÉVI-STRAUSS, 1993, p. 368).

Obteve-se como resultado uma compreensão dos fatores culturais que se materializam no centro de cultura que está dentro da aldeia Xavante de Sangradouro - MT. Entender e respeitar os valores culturais dos grupos étnicos é fundamental no processo de preservação do seu patrimônio: “É com esta abordagem que a Convenção sobre a Diversidade Biológica, ratificada pelo Brasil em 1998, descreve o “saber tradicional” como incluindo conhecimentos, práticas e – sobretudo - inovações” (FONSECA, 1997, p. 128). O que é tradicional no saber tradicional não é sua antiguidade, mas a maneira como ele é adquirido e como é usado, ou seja, “os saberes tradicionais não são enciclopédias estabilizadas de conhecimentos ancestrais, mas formas particulares, continuamente colocadas em prática na produção dos conhecimentos” (IEPE, 2006, p. 20).

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As ações desenvolvidas no centro de cultura Xavante fazem com que se mantenha vivo o patrimônio cultural material e imaterial dessa etnia.

“Um inventário de tradições culturais remete diretamente a questões metodológicas relacionadas à produção de conhecimento. Entre essas questões, uma das mais interessantes é a relação entre conhecimento e prática. Outra, diz respeito à variação das tradições, no seio de uma mesma comunidade cultural” (GALLOIS, 2008, p. 8).

Nesse sentido, existem inúmeras ações que incentivam, bem como orientam os espaços culturais no desenrolar das atividades. Destacam-se os seguintes itens, levantados pela UNESCO, para o fortalecimento dos grupos indígenas: 

A salvaguarda do patrimônio material e imaterial; a promoção da educação multilingüe e multicultural, tanto formal como informal assim como a promoção dos direitos culturais; a definição de mecanismos de mediação que facilitem a participação dos povos indígenas nos processos de tomada de decisão; a valorização dos sistemas de conhecimento locais e indígenas e sua transmissão entre gerações; o fortalecimento dos povos indígenas através de parcerias eqüitativas com parceiros não-indígenas; o suporte à criação de corpos consultivos nacionais e de redes de intercâmbio entre e com povos indígenas. Essas seis metas têm por objetivo melhorar a qualidade das políticas públicas já desenvolvidas pelos estados nacionais em relação aos povos indígenas. Para serem alcançadas, devem não só ser ratificadas pelos governos, como implementadas através de suas instituições especializadas (IEPE, 2006, p. 62).

Dessa forma, ficou destacado que o Centro de Cultura Xavante possibilita, de fato, à comunidade indígena o desenvolvimento do seu patrimônio cultural material e imaterial. Isso se dá através de ações que estão sendo desenvolvidas (projetos que envolvem a aldeia em torno do centro de cultura), seja as que estão em funcionamento, bem como aquelas que ainda se encontram em projetos e que não foram executadas.

2.3 O Centro de Cultura Indígena Xavante de Sangradouro

O centro de cultura Xavante foi fundado em 18 de junho de 2007 na aldeia Xavante de Sangradouro em Mato Grosso. Essa aldeia está localizada no setor leste do estado, aproximadamente 240 km da capital Cuiabá. O centro foi construído com recursos da Missão Salesiana de Mato Grosso, em que a mesma deixou à frente do processo de implantação os próprios Xavante da referida aldeia.

Desde a sua fundação, o centro de cultura tem como objetivo salvaguardar o patrimônio material e imaterial dos índios da etnia Xavante, sendo um espaço de encontro e discussões desse grupo étnico, no que se refere não só aos artesanatos e peças culturais confeccionadas por eles, mas também um local onde as crianças, jovens e adultos participam das oficinas, peças teatrais e produção audiovisual.

Analisando esse objetivo, juntamente com a função pela qual foi criado o centro de cultura, percebe-se que há um processo intercultural nesse espaço em que a identidade Xavante é posta num determinado ambiente para que os próprios membros do grupo reflitam sobre suas produções culturais, e dialoguem com outras culturas, ou seja,

“a diversidade está sempre presente nas configurações e movimentos da sociedade global. Seria impossível a globalização sem a multiplicidade dos indivíduos, grupos, classes, tribos, nações, nacionalidades, culturas etc.” (IANNI, 1994, p. 157).

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Seguindo esse raciocínio, percebe-se que a criação desse espaço possibilita um diálogo educacional, e principalmente torna-se um lugar onde a diversidade cultural é expressa de maneira material e imaterial.

A diversidade existente na cultura Xavante é de grande importância, sendo assim, a união dos mesmos resulta da necessidade que esse grupo étnico teve de criar um espaço para o desenvolvimento de ações que sejam apresentadas como forma de “mobilizar as populações no sentido da identificação e reconhecimento do patrimônio cultural que elas mesmas constroem ao longo de sucessivas gerações” (TAVARES, 2004, p.11). Repassando o conhecimento da cultura para os próprios pertencentes do grupo, bem como para outros indivíduos que não a conhecem.

[...] a tolerância é a flexibilidade para tentar entender os motivos do outro ou, ao menos, respeitar a diversidade cultural. Os museus antropológicos que trabalham com coleções de grupos indígenas têm o dever de explorar adequadamente a diversidade cultural e colocá-la como uma qualidade, como uma forma de tornar as pessoas flexíveis face ao diferente (CURY, 2003, p. 55).

O centro de cultura Xavante traz em seu espaço físico uma interatividade entre aqueles que ali frequentam, pois, as peças expostas apresentam o significado bem como as devidas explicações da sua utilidade e funcionalidade. Nesse sentido, não se tem somente as exposições, mas diariamente acontecem oficinas em que os Xavante podem participar para aprenderem a confeccionar essas peças. Nessas oficinas há uma participação intensa dos alunos da escola indígena, que são cerca de 200 .  Isso faz com que as crianças, adolescentes e jovens do ambiente escolar entendam todo o processo simbólico e cultural que está imbuído em cada artefato: “é nesses estratos que a busca do capital simbólico é mais marcada” (HARVEY, 1993, p. 312).

A escola indígena São José do Sangradouro funciona no período matutino e vespertino, do ensino fundamental ao médio, atendendo a aldeia local e aldeias vizinhas que não possuem escola.

Desta forma, a identidade indígena Xavante mostra-se através dos saberes materiais e imateriais, tendo o espaço físico como um local de referência para esses nativos. “Reconhecer que todos os povos produzem cultura e que cada um tem uma forma diferente de se expressar é aceitar a diversidade cultural” (HORTA, 1999, p. 7). Essa aceitação e valorização cultural perpassa a comunidade indígena Xavante, assim como deveria estar presente entre os não índios.

O centro de cultura Xavante é um espaço educativo que transmite os valores culturais desse grupo e tem a capacidade de difundir o patrimônio cultural, material e imaterial, realizando atividades que trazem à tona as suas vivências. Nesse sentido, “compreender a cultura de um povo expõe a sua normalidade sem reduzir sua particularidade [...]” (GEERTZ, 1978, p. 24). As exposições, bem como as oficinas, mostram o dia a dia dos índios Xavante, e suas transformações ao longo do processo histórico.

As mostras e oficinas possuem um caráter educativo, trazendo conhecimento e reflexão para os Xavante que frequentam esse espaço. “Tudo é objetificado, no afã de reafirmar o caráter social/plural do Museu” (SCHEINER, 2001, p. 5), contribuindo para a formação dos indivíduos que ali estão. E, de um modo particular, essa contribuição está extremamente presente na vida formativa das crianças e jovens que moram na aldeia de Sangradouro.

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(...) à identidade cultural desses grupos cujos valores simbólicos e históricos atuariam no imaginário e na memória coletiva dos índios. Os objetos produzidos por essas sociedades desempenham muitas vezes um importante papel ritual, responsável pela reprodução e manutenção identitária desses grupos. Afinal, a memória coletiva é aquela mais propriamente relacionada ao imaginário social instituinte. É aquela que, através da história, conforma os traços fundamentais relativos à noção de identidade, ao mesmo tempo em que se torna responsável pela continuidade cultural de uma dada sociedade. (BORGES-NOJOSA; TELLES, 2009, p. 9)

Nota-se que a identidade cultural dos Xavante de Sangradouro possui valores simbólicos e históricos que estão presentes e são manifestos nas ações cotidianas. O centro de cultura, por sua vez, exerce um papel fundamental, em que a memória coletiva se faz presente, pois os anciãos da aldeia dialogam nesse espaço e repassam seus conhecimentos aos mais jovens, principalmente aos alunos da escola, quando estão participando das oficinas.

Isso faz com que a cultura Xavante esteja num processo de continuidade, passando por ressignificações entre os sujeitos envolvidos nesse processo, o que permite continuidades como também novos significados, isso “cuja memória pode ser acionada, não só pelos objetos guardados no museu, mas também pelas histórias que neles estão penetradas e, ao mesmo tempo, esquecidas” (THOMPSON; COSKUNER-BALLI, 2003, p.1) . O que está no museu não são apenas peças de exposição, há um valor cultural em tudo o que ali se encontra, isso faz com que a memória individual e coletiva esteja presente nesse local.

“ in other uses and other subjects, whose memory can be triggered not only by objects stored in the museum, but also the stories in them are penetrated and at the same time , forgotten” (Tradução Nossa).

[...] a dimensão pedagógica do Museu não está relacionada apenas com a apresentação dos objetos, mas certamente, na compreensão da historicidade do objeto museal. Por isso, defende-se a tese que cada objeto traz consigo a sua historicidade, que reflete as inter-relações dos homens com o seu meio e com o fato cultural, num espaço-tempo histórico determinado. Assim, se concretiza uma práxis pedagógica, cuja relação sujeito-museólogo e sujeito-visitante é mediatizada pelo objeto museal, tomado enquanto objeto de conhecimento (NASCIMENTO, 1998, p. 32-33).  

A práxis pedagógica do museu e centro de cultura de Sangradouro é estabelecida através da compreensão histórica dos objetos materiais e imateriais, e estão presentes para os Xavante, pois, o entendimento de tudo que está em exposição no centro faz com que os índios realizem uma interação e troquem experiências e, principalmente, entendam a importância dos artefatos, ritos, festas e mitos para o grupo. O centro de cultura é capaz de agregar valores e unir o grupo nas questões culturais, e é também um espaço em que os não índios podem conhecer e entender a cultura Xavante.

A casa Xavante, em formato circular, é coberta de folhas de palmeiras. O modelo de casa encontra-se presente no museu para mostrar a importância que ela possui para os Xavante, não sendo somente um espaço para “dormir”, mas sim um local onde o grupo familiar se encontra constantemente, estabelecendo relações socioculturais uns com os outros. Já o urucum, também presente no museu, é um dos objetos principais e fundamentais no que se refere às pinturas corporais entre os Xavante. Ele é utilizado nas festas, ritos e simbologias realizadas de forma individual ou coletiva.

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Todas as ações que acontecem no centro de cultura são manifestações socioculturais nas quais se tem o contato com os valores históricos da etnia, como também a interação com os mais jovens. O que está em exposição não são simples objetos, mas sim, produção cultural que se faz viva no presente. Isso faz com que os sujeitos envolvidos no processo sintam-se participantes das ações que o centro oferece, pois a sua função é fornecer elementos que fortaleçam os vínculos entre eles.

O centro de cultura Xavante de Sangradouro não é um local de acúmulos de objetos, senão, um espaço onde a cultura Xavante é valorizada, expondo suas práticas de vida. O cotidiano da aldeia é materializado nesse espaço, sendo um local onde a memória e história se faz presente.

2.4 A Importância do Centro de Cultura para os Xavante – Intervenção

Foi aplicado um questionário com cinco perguntas objetivas, com 30 alunos do ensino médio da Escola Estadual São José do Sangradouro . Sendo 10 alunos de cada série (1º, 2º e 3º anos - 5 do sexo feminino e 5 do sexo masculino) escolhidos de forma aleatória, no momento em que os alunos estavam participando de uma mostra audiovisual em frente ao museu e centro de cultura Xavante, no turno matutino. Não foi realizada nenhuma pergunta aberta devido à dificuldade que os jovens possuem na escrita da língua portuguesa . Não houve qualquer identificação dos entrevistados, e nenhuma pergunta feriu ou constrangeu moralmente os mesmos. Essa etapa foi realizada no dia 26 de junho de 2015. Respondidas as questões, foi realizada uma dinâmica, a qual consistia em perguntas e respostas sobre o significado das peças que estavam em exposição no museu. Participaram dessa dinâmica 46 alunos do ensino médio.

A Escola Estadual São José de Sangradouro é uma escola indígena. O ensino é realizado em língua Xavante, sendo todos os professores e alunos Xavante, juntamente com a equipe administrava. A escola não possui nenhum membro que não seja Xavante.

As perguntas do questionário foram traduzidas no momento da aplicação por um professor Xavante que ali se encontrava. Antes dos jovens responderem, cada pergunta era traduzida em voz alta na língua Xavante (parece redundante), e os entrevistados marcavam a alternativa.

Pergunta 1: Você frequenta o museu e centro de cultura há quanto tempo?
( ) desde a sua criação; ( ) mais de um ano;
( ) entre 2 a 5 anos.

Os 30 entrevistados responderam que frequentam o centro de cultura desde a sua criação.

Pergunta 2: O museu e centro de cultura traz conhecimento para você?
( ) Sim; ( ) Não

Os 30 entrevistados responderam que sim.

Pergunta 3: A escola realiza atividades em conjunto com o museu e centro de cultura?
( ) Sim; ( ) Não

Os 30 responderam que sim.

Pergunta 4: A sua família participa das atividades do museu com frequência?
( )Sim; ( ) Não; ( ) Às vezes

21 responderam que sim e 9 às vezes.

Pergunta 5: Qual a oficina realizada no museu e centro de cultura que você mais gosta?
( ) Confecção de Artefatos; ( ) História do povo Xavante; ( ) Cinema; ( ) Educação Ambiental; ( ) Cultura Xavante

4 responderam confecção de artefatos; 3 história do povo Xavante; 16 cinema; 1 educação ambiental e 6 cultura Xavante.

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Analisando essas informações, nota-se o envolvimento e participação dos alunos, bem como da comunidade, nas atividades oferecidas pelo museu e centro de cultura de Sangradouro.

Na primeira pergunta todos os entrevistados responderam que frequentam o espaço desde a sua criação. Isso significa que há 8 anos esses jovens estão inseridos nas atividades do museu e centro de cultura.

A segunda pergunta vem corroborar com a primeira, pois, todos os entrevistados afirmaram que o museu e centro de cultura é um local que proporciona a eles conhecimento. A partir dessa resposta, pode-se deduzir que esse local é importante para eles, existindo uma valorização do ambiente.

Ficou evidenciado nessa resposta a ação interdisciplinar que a escola realiza, até mesmo porque no dia da realização da pesquisa os alunos estavam participando de uma oficina no museu.

Na quarta resposta pode-se notar que a família está envolvida nas ações do museu e centro de cultura. Apenas 9 responderam que as vezes seus familiares participam das atividades. Isso significa que mais de 75% frequentam o espaço de maneira ativa.

A quinta resposta foi estruturada tendo em vista as oficinas que são realizadas de maneira contínua no centro de cultura. São abertas para toda a comunidade e não possuem custo algum. A oficina de cinema é a mais procurada pelos jovens, ou seja, mais de 50% dos que foram entrevistados dão preferência por participar da oficina de cinema. E os demais ficaram alocados nas outras disciplinas.

Verificando as respostas atribuídas pelo questionário, percebe-se que o envolvimento, a participação e o cuidado com o museu e centro de cultura é nítido. Os Xavante, de um modo geral, contribuem cotidianamente para que esse local seja um espaço de interação e um ponto de encontro entre a comunidade.

Observando as relações sociais estabelecidas por esse grupo, destaca-se, entre muitas, a união e a distribuição dos bens entre os indivíduos. É muito comum o centro de cultura receber doações (artefatos, limpeza, manutenção) de outras aldeias. Existe uma colaboração mútua entre eles que se expressa com ações concretas e efetivas, que visam o bem comum.

No que se refere à dinâmica realizada em forma de “QUIZ” perguntas e respostas, tendo como metodologia “grupo focal ”, houve uma excelente participação. Quando questionados sobre o significado dos artefatos em exposição, todos os Xavante que ali se encontravam, mais do que imediato, levantavam a mão para responder, gerando uma certa “confusão” por quererem dar a resposta primeiro. Ao término dessa atividade, foi realizada uma palestra (proferida por mim) com toda a comunidade, abordando os seguintes tópicos: 1- Importância do museu indígena; 2- Patrimônio cultural e patrimônio imaterial; 3- Políticas públicas de incentivo à cultura e manutenção e apoio a museus no Brasil.

Para Machado (2009), os grupos focais são “pequenos grupos de pessoas reunidos para avaliar conceitos ou identificar problemas, constituindo-se em uma ferramenta comum usada em pesquisas de marketing para determinar as reações dos consumidores a novos produtos, serviços ou mensagens promocionais”.

A palestra foi realizada no dia 26 de junho de 2015 e teve a duração de duas horas e 10 minutos. Houve muitas perguntas, principalmente por parte dos adultos e anciões. O interesse era visível. Estabeleceu-se um diálogo e, principalmente, uma abertura de troca de informações, o que fora construído não somente no momento da palestra, mas ao longo dos anos que ali estive presente enquanto um não índio ao lado dos Xavante de Sangradouro. Ao término, foi servido um almoço na escola para todos que ali se encontravam.

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3. CONCLUSÃO

Após a realização do projeto de intervenção, destaca-se que as ações realizadas no Museu e Centro de Cultura de Sangradouro-MT fazem uma interação entre os membros do grupo. Há o envolvimento das crianças, jovens, adultos e anciãos da aldeia, existindo um sentido de pertencimento e, principalmente, remetendo-se aos valores culturais do grupo.

As ações do museu são planejadas e estruturadas, tendo em vista o público local. As oficinas acontecem mensalmente e a escola realiza atividades diárias envolvendo o museu e a própria aldeia. O questionário realizado com os alunos do ensino médio mostrou o conhecimento e o interesse que os mesmos possuem sobre o museu, juntamente com as atividades realizadas. Por fim, a palestra realizada por mim possibilitou um esclarecimento melhor sobre os conceitos de patrimônio cultural: material e imaterial, bem como a apresentação da atual política pública de incentivo à cultura e manutenção dos museus no Brasil. Houve um interesse significativo, principalmente por parte de lideranças e professores da aldeia, para saber os caminhos a serem percorridos para concorrerem aos editais que fomentam e estimulam essas iniciativas.

A realização dessa ação possibilitou o entendimento e compreensão de uma realidade que, muitas vezes, encontra-se à margem da sociedade, pois, os Xavante e as inúmeras outras etnias existentes no Brasil nem sempre ocupam um espaço social além de suas respectivas aldeias. E, mesmo sem muitos auxílios financeiros, essa comunidade está desenvolvendo ações importantes dentro do seu espaço. Dentre as inúmeras, destaca-se neste trabalho a construção de um museu e centro de cultura, onde atividades educacionais são realizadas e o envolvimento da comunidade é algo presente. Isso é explicitado em tudo o que acontece no ambiente, fazendo com que o patrimônio e a cultura dessa etnia se mantenham vivos e atuantes na vida individual e coletiva dessa aldeia.

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