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Educação patrimonial como ferramenta que contribui na construção, no reconhecimento e transformação da memória e da identidade cultural São Joanense

Este projeto de intervenção visou incentivar alunos do ensino médio da extensão do Colégio Estadual Frederico Bernardes Rabelo, inserida no povoado Santiago, a refletir acerca do patrimônio natural e cultural de São João d'Aliança. Por isso, o objetivo do trabalho foi compreender como a educação patrimonial pode ser usada para contribuir na construção, reconhecimento e transformação do patrimônio cultural e natural do município de São João d'Aliança (GO). Para isso, a metodologia, adaptada a um projeto de intervenção, foi pautada nos princípios da pesquisa-ação educacional e educação patrimonial, por meio de pesquisa bibliográfica e de estudos de campo; ocasião em que foram exibidos documentários e aplicados questionários. Chegamos à conclusão que a educação patrimonial tem potencial para valorizar o patrimônio cultural imaterial, material e o patrimônio natural de São João d'Aliança, pois pode contribuir para o reconhecimento da cultura local. Mas, para isso acontecer, trabalhos constantes sobre esse tema devem ser executados tanto em espaços escolares como em nível municipal.

Palavras-chave: Educação. Patrimônio. São João d'Aliança. Povoado Santiago

Aluna: Wanda Marques Araújo

Polo: Alto Paraíso

Orientadora Acadêmica: Alex Mateus Oliveira

Coordenadora de orientação: Simone Rosa da Silva

INTRODUÇÃO

Esse projeto de intervenção procurou incentivar alunos de uma escola pública a olhar de um modo diferente para o município de São João d'Aliança (GO), no qual residem, que possui grandes riquezas naturais e culturais que, muitas vezes, passam despercebidas. Por isso, ampliar as discussões acerca da educação patrimonial e seus modos de atuação se torna cada vez mais importante. Os objetivos desse trabalho visaram contribuir na construção, reconhecimento e transformação do patrimônio do município de São João d'Aliança.

Entender as origens culturais e a diversidade natural de São João d'Aliança é uma forma de contribuir para a caracterização da identidade desse município, localizado a quase 350 quilômetros de Goiânia. Com isso, evidenciamos a relação entre as influências externas e internas, advindas de culturas global e local, respectivamente, que podem contribuir para a sua reconfiguração. Reconhecer essas origens é tornar essas pessoas protagonistas de sua própria história, de forma que sejam capazes de agir para transformar sua realidade quando necessário. A abordagem desse trabalho não visa tornar a cultura local intacta e estática, mas sim propor que ela seja reconhecida e apreciada em sua diversidade e, também, transformada. Porém, essa transformação só será possível se a população reconhecer a história e a origem desse município como parte de sua identidade. A importância desse projeto de intervenção se encontra no incentivo ao desenvolvimento dessa autonomia.

Nesse contexto histórico contemporâneo muito se discute sobre a globalização. Essa, com o desenvolvimento das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), transformou o modo de trabalhar, estudar, relacionar e lidar com os aspectos culturais, além de possibilitar o acesso a uma quantidade vertiginosa de informação. O aspecto cultural será discutido mais amplamente nesse trabalho, ressaltando a influência, principalmente do último estágio da globalização, no reforço da cultura local, na imposição de culturas hegemônicas (como o etnocentrismo europeu) e na criação de culturas híbridas nessa teia global.

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Vale ressaltar que o desconhecimento acerca da cidade e a pouca informação disponível para pesquisa bibliográfica ou referências digitais reforçam o motivo pelo qual se incentivou esse estudo. Ainda há uma dificuldade desses alunos se reconhecerem enquanto protagonistas da cultura local, bem como em se identificarem com ela e enquanto parte dela. Por isso, se fazem necessárias intervenções que abarquem a população acerca do patrimônio cultural e natural do município de São João d'Aliança, do qual podemos entender a educação patrimonial como um instrumento em potencial para executar essa ação. A partir dessa problemática, como a educação patrimonial pode ser usada para construção, reconhecimento e transformação do patrimônio cultural e natural do município de São João D'Aliança – GO?

Pelo curto espaço de tempo, seria inviável trabalhar em uma escala de maior alcance, em toda a cidade. Por isso, começamos em uma escala bem menor, usando a educação formal como maneira de iniciar esse processo. Assim, o recorte foi feito na extensão do Colégio Estadual Frederico Bernardes Rabelo, localizada na Escola Municipal Ana Maria de Moura no Povoado Santiago, nas turmas do ensino médio (1ª e 2ª Série C e 3ª Série B), nas quais este pesquisador /intervencionista leciona as disciplinas de História e Geografia de Goiás, que oferece melhor abertura para trabalhar a respeito desse tema.

Assim sendo, para discutir conceitos tais como globalização, etnocentrismo, referências culturais, patrimônio cultural, memória, identidade cultural e educação patrimonial, foram utilizados textos para debate e vídeos ilustrativos, como documentários. O entendimento básico desses conceitos foi importante para que os próprios alunos começassem a identificá-los em sua realidade de forma que pudéssemos avançar no projeto.

Para reconhecer a história nacional indígena e afro-brasileira, começamos a aplicar os conceitos acima para que estimulassem a compreensão dos estudantes a respeito do tema. E, para contribuir na construção, reconhecimento e transformação da história São Joanense, fizemos referência à cultura local e influências de diversos povos, demonstrando também como os europeus e quilombolas participaram da formação do município de São João d'Aliança. Após o encontro foi aplicado um questionário no qual eles apontaram se e como essa intervenção transformou a visão deles em relação ao município.

A expectativa era que os alunos fossem capazes de analisar a dinâmica local/ global que a globalização possibilita, por meio das mídias que, ao mesmo tempo em que propicia um alcance inimaginável a outras culturas, procura impor seus padrões globais, os quais são controlados por grandes corporações. Por fim, que as visões deles fossem transformadas para que pudessem pesquisar mais e multiplicar esse conhecimento sem temer ou ter vergonha de suas origens (seja nacional, estadual ou municipal).

APRESENTAÇÃO DOS CONCEITOS E CATEGORIAS DE ANÁLISES PARA A PESQUISA

GLOBALIZAÇÃO E SUAS FACES: UMA CRÍTICA A FORMA EM QUE É EMPREGADA

Antes de tratarmos sobre temas que remetessem a São João d'Aliança, se fez necessário compreender alguns conceitos que são a base norteadora das análises desse trabalho. Começamos discutindo acerca da globalização, entendendo-a como processo que pode superar as barreiras espaciais e interconectar as pessoas, transformando o modo de trabalharem, estudarem, relacionarem, lidarem com culturas diferentes, bem como facilitando o acesso à informação.

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Pieroni, Fermino e Caliman (2014) ressaltam sobre o foco demasiado que é dado aos aspectos contraditórios da globalização e apontam que a origem do global não está somente no aperfeiçoamento das comunicações, mas sim em ideias liberalistas. Então, é um desafio e tanto lidar com a diversidade cultural em meio a uma globalização controlada por ideais etnocêntricos da cultura europeia. A globalização tem várias facetas e, devido a essa complexidade, se faz necessário ressaltar que as críticas a ela estabelecidas nesse trabalho se devem ao modo no qual se faz uso dela e não sua existência em si.

Santos (2012), por exemplo, aborda a globalização de três formas: "fábula", "perversidade" e "uma outra globalização". Na globalização enquanto "fábula", Santos (2012) procura desconstruir alguns conceitos um tanto que estereotipados da globalização que não representam fielmente a realidade, como afirmar que as pessoas são realmente informadas por causa da quantidade massiva de dados aos quais são expostas a todo instante ou um discurso homogeneizante em meio a crescente desigualdade social. Ainda, "há uma busca de uniformidade, ao serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal. Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado". (SANTOS, 2012. p. 19).

Na globalização enquanto "perversidade", Santos (2012) aponta as contradições iminentes em um mundo que convive com avanços memoráveis nas diversas áreas científicas, bem como na oportunidade de expandir e propagar esses conhecimentos e tecnologia, e que ainda sofre com doenças curáveis, fome, déficit educacional, etc.

A perversidade sistêmica que está na raiz dessa evolução negativa da humanidade tem relação com a adesão desenfreada aos comportamentos competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas. Todas essas mazelas são direta ou indiretamente imputáveis ao presente processo de globalização. (SANTOS, 2012. p. 20).

Ao pensar em "uma outra globalização", Santos (2012) defende um enfoque mais humanizado da mesma, ou seja, a apropriação popular das bases técnicas que sustentam a globalização em seu aspecto mais perverso.

Hall (1992. p. 18) também pensa a globalização e a analisa em sua influência em relação à identidade cultural em três aspectos:

Os dois primeiros aspectos são descartados por Hall (1992), que afirma que o último estágio da globalização faz com que as identidades sejam descentradas, ou seja, a existência de um sujeito pós-moderno que possui uma identidade formada e transformada constantemente. Esse efeito pluralizante torna as identidades menos fixas e é nesse movimento que nasce a concepção de culturas híbridas, defendida por esse autor.

OS MÚLTIPLOS CONCEITOS DE CULTURA E SUA EVOLUÇÃO

A forma do conceito de cultura que entendemos hoje foi elaborada por Edward Tylor, como vemos em Laraia (2001. p. 25):

No final do século XVIII e no princípio do seguinte, o termo germânico Kultur era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra francesa Civilization referia-se principalmente às realizações materiais de um povo. Ambos os termos foram sintetizados por Edward Tylor (1832-1917) no vocábulo inglês Culture, que "tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade".

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É possível destacar algumas abordagens interessantes a respeito da cultura. Sabemos que, no senso comum, esta é referida a pessoas que tem instrução, porém, com o aprofundamento teórico, percebemos que essa afirmação é equivocada. Leitão nos demonstra isso ao afirmar que o termo cultura "é utilizado no senso comum e em outros campos do saber, que não o da antropologia, com significados distintos, sendo frequente o seu uso para fazer referência ao desenvolvimento intelectual do indivíduo em termos de educação e instrução escolar". (LEITÃO, 2014. p. 4).

Na abordagem a seguir, nota-se que os conceitos de cultura vão evoluindo e se encaixando em diversos contextos. Os conceitos de cultura, citados por Leitão (2014), são:

Nessa linha, pautamos desde uma perspectiva etnocêntrica, como o evolucionismo, até um conceito de entendimento complexo, o qual percebe o ser humano como uma folha em branco que seria desenhada pela cultura vivida e aprendida com as relações humanas. Ainda há a abordagem pós-modernista, que percebe o conceito de cultura a partir de "múltiplos significados, que são interpretados tanto por antropólogos como por seus interlocutores". (LEITÃO, 2014. p. 7-8). Com isso,

Compreender a cultura de um povo expõe a sua normalidade sem reduzir sua particularidade. (Quanto mais eu tento seguir o que fazem os marroquinos, mais lógicos e singulares eles me parecem.) Isso os torna acessíveis: colocá-los no quadro de suas próprias banalidades dissolve sua opacidade. (GEERTZ, 2008. p. 10).

Por fim, percebemos que a cultura é um termo complexo e está presente em nossa vivência, e ainda, compreender suas nuances se faz necessário para que possamos desbravar esse conhecimento acumulado em diversos povos.

A DIVERSIDADE CULTURAL BRASILEIRA

Comumente os brasileiros reafirmam a diversidade cultural que o Brasil possui e isso não é por menos, pois a vinda de povos de várias partes do globo, desde o período da colonização, deu origem ao que o Brasil é hoje etnicamente, um povo miscigenado. A cultura original brasileira, a indígena, precisa resistir ainda hoje à constante violência, apropriação e apagamento.

Devido a muitos povos indígenas terem sido dizimados no processo de ocupação e formação do território brasileiro, perdemos boa parte de nossa diversidade cultural. Mas, ainda encontramos povos que resistem em todo o território nacional, principalmente nos Estados do Amazonas e Mato Grosso do Sul. Leitão (2014. p. 10) afirma:

[...] que existe no Brasil uma grande diversidade cultural indígena, visto que os mais de 200 povos falam línguas distintas e adotam modos de vida diversos. As distinções abrangem todos os aspectos da sua vida social: padrões estéticos e de beleza, práticas rituais e religiosas, formas de organização do trabalho, padrões e práticas de educação e de socialização de crianças e jovens, sistemas mitológicos etc.

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Ou seja, apesar de haver poucos povos, ainda existe uma diversidade cultural grande, que precisa ser reconhecida. Também os quilombos, que são formados por remanescentes de escravos trazidos na época da escravidão, carregam uma grande parte da responsabilidade na formação cultural brasileira. Há ainda vários povos, mas, neste trabalho, ressaltamos os indígenas e os quilombolas por terem sido apagados por muito tempo das políticas públicas de proteção e valorização cultural brasileira.

O Apagamento das Culturas Minoritárias das Políticas Públicas de Proteção e Valorização Cultural Brasileira

Discutir acerca do apagamento das culturas minoritárias das políticas públicas de proteção e valorização cultural brasileira é lidar com o desafio de ir contra um pensamento bastante enraizado de que a cultura europeia é superior às demais. Vale destacar que a forma na qual se caracterizava o tombamento, eliminava os patrimônios imateriais de proteção bem como valorizava demasiadamente os bens culturais materiais, principalmente os do período colonial. Isso tanto Lima Filho e Dias (2014) quanto Canclini (2003) apontam e, ainda, colocam que essa concepção "de pedra e cal" foi difícil de ultrapassar no Brasil.

Ao aprofundar a respeito da mudança paradigmática do material para o imaterial, percebemos que há um direcionamento do foco de proteção para as culturas minoritárias. Lima Filho e Dias (2014) nos apontam que o tombamento pautado somente no material e, ainda por cima, na valorização da cultura colonizadora é bastante questionável. O empoderamento das culturas minoritárias, essas que foram apagadas violentamente por outros povos, tem que ser incentivado. Se observarmos os considerados grandes patrimônios de Goiás, perceberemos que são os que valorizam a cultura hegemônica europeia, os que "venceram" na história, que hoje são considerados referências. Enquanto os que "perderam" (indígenas e africanos) foram apagados, até essa mudança paradigmática ocorrer, valorizando a partir daí as culturas gêneses brasileiras.

Então, esse novo paradigma vem em contrapartida para superar o apagamento das culturas minoritárias, protegendo as que foram muito agredidas no tempo e que precisam de apoio. Isso não significa que os problemas foram resolvidos, porém temos um avanço considerável e a educação patrimonial é um bom instrumento de apoio à manutenção dessas culturas.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL COMO INSTRUMENTO DE RECONHECIMENTO E REAFIRMAÇÃO CULTURAL

Antes de nos aprofundarmos a respeito da educação patrimonial, vale destacar alguns aspectos da educação que, de acordo com Rosa (2014), é dividida em três tipos:

Entendemos, a partir disso, que a educação não é limitada à escola e, ainda, pode ser definida como:

[...] um fenômeno observado em qualquer sociedade e nos grupos constitutivos destas, responsável pela sua manutenção e perpetuação a partir da transmissão, às gerações que se seguem, dos modos culturais de ser, estar e agir necessários à convivência e ao ajustamento de um membro no seu grupo ou sociedade. (ROSA, 2014. P.4).

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Agora, reflitamos sobre o conceito de patrimônio. Oliveira e Kunzler (2014) demonstram que este conceito é ligado a bens de família que são transmitidos por heranças e outros significados que fazem referências ao financeiro, genético e natural. Hoje se utiliza o conceito de patrimônio cultural "[...] para designar o conjunto dos bens materiais e imateriais de uma nação, estado, cidade, que constituem herança coletiva, a partir do reconhecimento de sinais de uma identidade, e são transmitidos de geração a geração ou criados no presente" (ZANIRATO; RIBEIRO, 2006 apud OLIVEIRA; KUNZLER, 2014. p. 3). Vale ressaltar que o supracitado deve ir além de seu tempo e geração para se encaixar nesse conceito.

A educação em conjunto com o patrimônio cultural perpetua os referenciais culturais de uma sociedade. Isso remete então à Educação Patrimonial, entendida enquanto intervenção social que por meio de metodologias busca sensibilizar as pessoas de um local específico de forma a reconhecer, valorizar e preservar o seu patrimônio cultural. (ROSA, 2014). De acordo com o IPHAN (2014 apud OLIVEIRA; KUNZLER. p. 16)

[...] a Educação Patrimonial se constitui na reunião de pessoas para a construção e divisão coletiva de conhecimentos e na ação conjunta para conhecer, entender e transformar a realidade em que vivemos, a partir da relação com o patrimônio cultural ou algo que esteja ligado a ele. Considera, num amplo espectro de ações, qualquer processo educativo formal e não-formal realizado por meio de diálogo permanente entre os agentes culturais e sociais e as comunidades detentoras e produtoras das referências culturais.

A educação patrimonial exercita também a reflexão crítica do professor-pesquisador, pois estimula a reflexão permanente de sua prática, ao mesmo tempo em que dialoga com os educandos e o objeto de estudo. Assim, Freire afirma que "[...] na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática". (FREIRE, 1996. p. 43-44.).

A partir da coletividade e conhecimento da cultura local, procura-se socializar esses conhecimentos para que o patrimônio dessa comunidade seja mantido, os meios para que isso ocorra são vários e cada qual tem a sua importância. Ainda, pautada em como se dá o processo educacional atualmente, a educação patrimonial surge como um instrumento para o aperfeiçoamento das pessoas em todas as suas aptidões e para o reconhecimento da memória, identidade e culturas.

OUTROS CONCEITOS

Nessa seção discorreremos sobre outros conceitos que contribuirão com o trabalho. Sobre o etnocentrismo Leitão (2014, p. 9) destaca que:

Esse termo é usado pela antropologia como uma noção que nos ajuda a entender e a relativizar essa tendência que temos de, ao nos compararmos com outros povos, nos colocarmos como o centro, como referência e como modelo mediante o qual enxergamos esses outros. Um recurso frequente na literatura antropológica para explicar o fenômeno do etnocentrismo é a referência aos termos autodesignativos utilizados por vários povos para falarem de si próprios. Nos discursos de cada povo, o seu próprio grupo é destacado como os representantes dos mais legítimos dos seres humanos, como a referência mais forte de cultura e de sociedade e, por isso mesmo, defendida como sendo a mais coerente, a mais certa, a melhor, a mais bonita etc. (LEITAO, 2014. p. 9).

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A concepção etnocêntrica em demasia estimula o preconceito, tendo como pressuposto seu modo de vida como o certo. Ainda, o etnocentrismo foi usado como justificativa para dominar outros povos que eram considerados menos humanos por terem culturas diferentes.

Refletindo sobre o conceito de Identidade, temos a contribuição de Castells (1999. p. 22), que a define como "o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significado." Já a memória, segundo Jacques Le Goff, "é a propriedade de conservar certas informações, propriedade que se refere a um conjunto de funções psíquicas que permite ao indivíduo atualizar impressões ou informações passadas, ou reinterpretadas como passadas". (SILVA, 2006. p. 1).

Tanto a memória quanto a identidade estão ligadas profundamente com o conceito de patrimônio cultural, pois para que esse exista, há a necessidade de ser reconhecido como o mesmo. Já a memória tem um papel importante nesse processo, pois ela estrutura o sentido valorativo ao relacionar a emoção na proposta de reconstrução de um passado. (OLIVEIRA; KUNZLER, 2014 a).

Para finalizar, o conceito de referências culturais o qual Londres (2000, p. 1-2) descreve muito bem no seguinte trecho:

Quando se fala em "referências culturais", se pressupõem sujeitos para os quais essas referências façam sentido (referências para quem?). Essa perspectiva veio deslocar o foco dos bens – que em geral se impõem por sua monumentalidade por sua riqueza, por seu "peso" material e simbólico – para a dinâmica de atribuição de sentidos e valores. Ou seja, para o fato de que os bens culturais não valem por si mesmos, não têm um valor intrínseco. O valor lhes é sempre atribuído por sujeitos particulares em função de determinados critérios e interesses historicamente condicionados. Levada às ultimas consequências, essa perspectiva afirma a relatividade de qualquer processo de atribuição de valor – seja valor histórico, artístico, nacional, etc. a bens, e pões em questão os critérios até então adotados para a constituição de "patrimônios culturais", legitimados por disciplinas como a história, a história da arte a arqueologia, a etnografia, etc. (LONDRES, 2000. p. 1-2).

Antes de levarem em consideração o conceito de referências culturais, o patrimônio cultural era definido por técnicos especializados, não considerando a memória local. Com isso, supervalorizaram os patrimônios da cultura europeia enquanto as minoritárias, como as indígenas e africanas, foram deixadas de lado até o estabelecimento desse conceito.

SÃO JOÃO D'ALIANÇA: BREVE HISTÓRICO E ALGUMAS CARACTERÍSTICAS

São João d'Aliança é um município do Estado de Goiás com extensão territorial de 3.327 Km² e com 10.257 habitantes, de acordo com o censo de 2010, se encontra a 160 km de Brasília e aproximadamente 100 km de Alto Paraíso de Goiás. A cidade faz parte da Chapada dos Veadeiros, isso a torna um município com grande potencial turístico não explorado. Por isso, ainda é comum turistas passarem por São João d'Aliança para Alto Paraíso de Goiás, que vindo de Brasília é rota obrigatória, sem saber dos patrimônios culturais e naturais do mesmo.

São João d'Aliança se encontra então posicionado entre dois municípios de referência nacional (Alto Paraíso de Goiás e Brasília) e é considerado o Portal da Chapada dos Veadeiros, por ser o município da chapada mais próximo de Brasília. Já foi chamado de Olhos d'Água - devido à quantidade de nascentes (hoje, muitas secaram e outras já se encontram poluídas; - de Capetinga (Palavra Tupi-Guarani que significa água clara e/ou água branca), por causa do Rio das Brancas, que abastece a cidade; de São João da Capetinga, por causa da devoção a São João Batista; e, atualmente, São João d'Aliança, devido ao apoio dado ao Movimento da Aliança Liberal da Coluna Prestes). (Mulheres das Águas, 2008).

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ALGUNS ASPECTOS CULTURAIS E NATURAIS DE SÃO JOÃO D'ALIANÇA

Há três histórias enraizadas na cultura São Joanense que envolvem a formação desse território, de acordo com o projeto Mulheres das Águas (2008):

São João d'Aliança possui uma rica cultura e boa parte dela é típica no Estado de Goiás. Dias e Neta (2007) apontam algumas datas festivas tradicionais do município.

Registram-se também um riquíssimo folclore, no dia seis de janeiro, a Folia de Reis; em vinte de janeiro, a Folia de São Sebastião; em Maio, a Folia do Divino; em junho as tradicionais Festas de Barraquinhas; vinte e quatro de julho, Folia do Divino Pai Eterno; a Caçada da Rainha no Distrito do Forte e em quinze de agosto, festa de Nossa Senhora da Abadia, ressaltando que em todas as folias têm sempre as tradicionais alegres danças de catira. (DIAS E NETA, 2007. p. 20).

Destas manifestações culturais, destacaremos três: a folia, as fogueiras e a catira. A folia está presente em vários Estados brasileiros. Os grupos de foliões saem levando as bandeiras dos santos e santas dos quais são devotos, visitam casas e entoam cantos e orações religiosas. Argumentam que a origem da tradição de folia é devido a falta de padres na região; então, quando esses estavam presentes, aproveitavam para realizar diversos eventos. (MULHERES DAS ÁGUAS, 2008).

No mês de junho têm as fogueiras, que reúnem os familiares em louvor a Santo Antônio, São João e São Pedro e fecham o mês com as novenas/barraquinhas e a tradicional festa da Barracona, que são típicas festas juninas. Comumente, a catira é executada nos pousos das folias após as orações e refeições, para superar o cansaço.

Os foliões cantam ao som da viola canções que retratam as festas, as crenças, o cotidiano e as peripécias da comunidade. Em versos simples e por vezes hilários, que renovam a alma com a energia da alegria e da fé. Enquanto os violeiros cantam em duas vozes, formam-se duplas de foliões, que enfileiradas de frente uma para outra, marcam o compasso na palma da mão e sapateiam até levantar a terra em grande poeirão. Enquanto sapateiam agradecem à terra pela produção, as palmas celebram o ato de colher, a dádiva da Mãe Terra e assim o secular e espiritual caracterizam as práticas cotidianas com um revestimento cultural que enche os olhos, inflama as emoções e convida o vivente a transformar as dores da lida diária em uma procissão jocosa e lúdica que contagia e edifica. Trazendo heranças do sapateado português e da própria execução da viola que os portugueses aqui introduziram, a catira de São João apresenta fortes nuanças das danças indígenas de contato com a terra e o contar melancólico e profundo lembra os lamentos do negro fugido. (MULHERES DAS ÁGUAS, 2008. p. 80).

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Para além de suas características culturais, o município ainda tem as grandes belezas naturais, e não é por menos, afinal, São João d'Aliança é o portal da Chapada dos Veadeiros. A seguir exploraremos os aspectos naturais encontrados nesse município, de acordo com Mulheres das Águas (2008).

Imagem 1 - Mirante Label . Fonte: Mulheres das Águas (2008). Foto: Guilherme Alves
Imagem 2 - Jardim das Visões. Fonte: Mulheres das Águas (2008). Foto: Guilherme Alves

Muitos não sabem, mas o município de São João d'Aliança tem muitas cachoeiras, dos mais variados tamanhos. A seguir citaremos algumas, apontadas por Mulheres das Águas (2008). A ordem das cachoeiras está organizada na figura 4 da esquerda para direita e de cima para baixo.

A seguir, entenderemos mais sobre o campo de trabalho para a intervenção, bem como algumas de suas características e tradições que dialogam com a do município que o rege, São João d'Aliança.

Imagem 3 - Algumas cachoeiras de São João D'Aliança - Fonte: Mulheres das águas, 2008 Imagem editada para o artigo. Foto: Guilherme Alves

O CAMPO: POVOADO SANTIAGO

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O povoado Santiago, também conhecido como Pedra de Amolar, está localizado no município de São João d'Aliança às margens da GO 118, quilômetro 117. Embates pela terra foram muito presentes nessa pequena comunidade, que teve que lidar com grileiros e, ainda, com as queimadas criminosas de casas, bem como da primeira escola, que foi fundada pelo Sr. José Augusto Rosa.

Houve bastante dificuldade em encontrar referências a respeito do povoado, a história aqui explicitada foi baseada em um trabalho intitulado "Histórias contadas pelos antigos moradores do povoado Santiago", desenvolvido pela 8ª série de 2004 da Escola Municipal Ana Maria de Moura, trabalho esse orientado pela professora Maria Cristina Rosa Silva.

A Escola Municipal Ana Maria de Moura começou a ser construída em 1973, dois anos após a primeira. Ela hoje comporta, além da educação infantil e fundamental I e II, o ensino médio da extensão do Colégio Estadual Frederico Bernardes Rabelo, objeto de intervenção deste trabalho.

Em suas tradições, podemos notar uma crença cristã forte, pois pessoas como Padre Bernardo e a Dona Alzira estimularam isso. O primeiro, foi um holandês missionário que se envolveu nos embates envolvendo questões da terra, bem como das queimadas criminosas que assolaram o lugar. Relatos afirmam que um dos motivos da remoção desse padre do município de São João d'Aliança e, consequentemente, de sua atuação nessa comunidade, foi por ele ter enfrentado os grileiros junto com o povoado. A segunda, Dona Alzira, foi uma antiga moradora que procurava preservar os ritos de sua fé, podemos citar a novenas de Santa Rita e as Lapinhas de Natal como exemplos que, porém, não existem mais.

Após essa abordagem acerca do campo de trabalho, abordaremos e analisaremos as ações de intervenção desenvolvidas nessa extensão do Colégio Estadual Frederico Bernardes Rabelo.

A INTERVENÇÃO NA EXTENSÃO DO COLÉGIO ESTADUAL FREDERICO BERNARDES RABELO, LOCALIZADA NO POVOADO SANTIAGO

Neste item será abordada a metodologia, plano de ação, execução e resultado da intervenção na extensão localizada no povoado Santiago do Colégio Estadual Frederico Bernardes Rabelo.

METODOLOGIA E PLANO DE AÇÃO

A metodologia utilizada foi a bibliográfica, utilizando tanto referências digitais como físicas para se obter base teórica que atendesse a todos os objetivos específicos. Mídias digitais também foram utilizadas para estudo e aplicação em sala de aula. A metodologia ainda foi pautada nos princípios da pesquisa-ação educacional adaptados a um projeto de intervenção, pois tal metodologia se encaixa na atuação do que pesquisa (no caso, do que intervém) dentro do ensino formal no qual já se encontra inserido.

Como afirma Tripp (2005, p. 445), "a pesquisa-ação educacional é principalmente uma estratégia para o desenvolvimento de professores e pesquisadores de modo que eles possam utilizar suas pesquisas para aprimorar seu ensino e, em decorrência, o aprendizado de seus alunos". Ou seja, por meio da pesquisa-ação e a educação patrimonial, foi feita uma intervenção em um problema previamente observado, que é comumente apontado pela população: o desinteresse pelas expressões culturais da cidade bem como o desconhecimento de seu patrimônio natural.

Para discutir conceitos como globalização, etnocentrismo, referências culturais, patrimônio cultural e natural, memória, identidade cultural e educação patrimonial, foi utilizado um texto de autoria própria. O texto reúne esses conceitos, que são base para se compreender a importância de valorizar o patrimônio local. Ainda usamos fotos que os alunos levaram, para estimulá-los a pensar sobre a relação memória, identidade e patrimônio.

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Para a construção, o reconhecimento e a transformação da história nacional indígena e afro-brasileira foram expostos e debatidos os seguintes documentários: Índios no Brasil, quem são eles?; Identidade Cultural Quilombo Kalunga e Kalunga, Nossa História, Nossa Liberdade. Ainda, debatemos a música Índios, do compositor Renato Russo.

Também foi exposto e debatido o documentário O Grande Mentiroso, além de fotos e livros sobre São João d'Aliança, sendo alguns específicos do povoado Santiago. O intuito era reconhecer e valorizar o patrimônio cultural e natural São Joanense nas turmas de ensino médio da extensão do povoado Santiago do Colégio Estadual Frederico Bernardes Rabelo.

EXECUÇÃO E RESULTADO DO PROJETO

No dia 27 de maio de 2015 ocorreu a atividade de intervenção na extensão do Colégio Estadual Frederico Bernardes Rabelo, localizado no povoado Santiago (Pedra de Amolar), dentro da Escola Municipal Ana Maria de Moura. As três turmas foram reunidas (1ª e 2ª Séries C, e 3ª Série B) na sala da 2ª Série C. Somadas, equivalem a 30 alunos, porém participaram 17 (57% dos estudantes). Os demais não estavam presentes ou não quiseram participar do projeto. A faixa etária dos alunos varia de 15 a 32 anos, com concentração expressiva entre 15 e 16 anos.

Começamos o diálogo por meio do texto intitulado "conceitos básicos" (vide apêndice A), produzido pelo pesquisador, que reúne os conceitos expostos nesse trabalho no primeiro capítulo, para que os estudantes pudessem ter base para analisar e compreender a importância do patrimônio São Joanense. No diálogo, conseguimos debater a influência de uma globalização apoiada nas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e como tem sido sua atuação no mundo.

Debatemos como o etnocentrismo é importante enquanto reconhecimento do próprio eu, mas que comumente é usado para negar o outro por um viés preconceituoso. Foi destacado também como a Europa usou desse conceito para justificar seu domínio sobre outros povos.

Quando debatemos o conceito de referências culturais, foi possível fazer referência ao Forte (Distrito de São João d'Aliança), este povoado remanescente de Quilombo que veio a ser reconhecido no dia 5 de março de 2008. Isso porque, se ainda persistisse a concepção tradicional de tombamento que Lima Filho e Dias (2014) apontam, provavelmente esse reconhecimento ainda não seria possível devido às concepções enviesadas que as políticas públicas de proteção ao patrimônio tomavam. Ou seja, o reconhecimento superestimado dos bens culturais europeus. No debate sobre o termo educação patrimonial, foi frisada sua importância e a necessidade de atuações constantes, tanto no meio escolar quanto fora, em busca de emancipação e reflexão das práticas culturais.

Quando se discutiu patrimônio cultural e natural, memória e identidade, foram usadas fotos que os alunos levaram, a pedido do professor, para estimulá-los a pensar sobre essa relação. A dinâmica se baseou em expor a foto escolhida e dizer o porquê de se identificar com ela, quais momentos e vivências ela desperta? Assim, pudemos explicar a dinâmica que envolve a memória que pode despertar diversas coisas, dentre elas, o sentimento de identidade, que faz com que não queiramos deixar essas essências/lembranças se perderem.

Em um segundo momento, após o debate sobre os "conceitos básicos", foram expostos documentários que possibilitassem a reflexão a respeito da desmistificação e valorização de ideais indígenas e quilombolas. O documentário "Índios no Brasil, quem são eles?" procura superar o senso comum e o estereótipo de índio. Mostra a imagem do índio que usa roupas e internet ou que cursa uma faculdade, por exemplo, desconstrói toda aquela ideia preconceituosa de que precisamos manter a cultura deles intacta de modo a prendê-los nela. Nesse documentário, outro ponto importante levantado foi o empoderamento e protagonismo indígena, bem como a necessidade de seus povoados terem, cada vez mais, representantes indígenas professores, médicos, advogados, etc.

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O documentário "Identidade Cultural Quilombo Kalunga" demonstra com riqueza as tradições dos povos Kalunga. Nele, os mais velhos descrevem as vivências de anos escondidos do mundo e as surpresas que tinham quando viam um avião ou um carro. O mais interessante foi os estudantes notarem que além do Distrito do Forte, enquanto referência da cultura negra, existem esses povos que vivem também na região da Chapada dos Veadeiros.

O documentário "Kalunga, Nossa História, Nossa Liberdade" tem uma abordagem semelhante ao do documentário "Índios no Brasil, quem são eles?", pois também procura desmistificar o senso comum que envolve os quilombos e os negros. Faz uma crítica às pesquisas científicas invasivas que o povoado recebe e que não buscam necessariamente a transformação social desse povo, mas sim ajuda para obtenção de um diploma.

A música Índios, de Renato Russo, ofereceu abertura para discutir o etnocentrismo europeu, o período das grandes navegações e a questão indígena no Brasil. Esta última envolve a demarcação de suas terras e a dizimação desse povo. Em um terceiro momento, em busca da construção, do reconhecimento e transformação do patrimônio cultural e natural São Joanense nas turmas de ensino médio trabalhadas, debatemos o documentário "O grande mentiroso: Chico onça e outros mentirosos de São João d'Aliança".

Imagem 5 - Documentário "O grande mentiroso" - FERREIRA, Jaciele Neves. O grande mentiroso: Chico Onça e outros mentirosos de São João D'Aliança-GO. Universidade Católica de Brasília, 2010. 13:30 min. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kgxuWdYqg4Q. https://www.youtube.com/watch?v=uLu5zyyM978. Acessado em: 07 Agosto 2015

Esse documentário local explora o patrimônio imaterial dos causos no município, além de despertar um interesse especial nos estudantes, já que são rostos conhecidos de vários moradores.

Ao acabar o documentário, foram expostos vários materiais que vão desde livros sobre o município de São João d'Aliança até fotos antigas de São João e do povoado Santiago. Com isso, os estudantes tiveram a oportunidade de conhecer a origem do lugar em que vivem bem como suas diversas manifestações culturais.

A seguir, as impressões dos estudantes sobre o projeto.

Resultado dos Questionários: As Impressões dos Estudantes sobre o Projeto

Ao tabular os dados dos questionários aplicados, obtivemos os seguintes dados:

Ao perguntar há quanto tempo o estudante mora em São João d'Aliança, descobrimos que 76% assinalou que vive entre 15 a 32 anos no município, sendo a grande maioria no intervalo entre 15 e 16 anos, enquanto 24% entre 03 a 08 anos.

Ao perguntar se as informações oferecidas nesse projeto foram importantes para o estudante e o porquê, todos responderam que sim. As justificativas foram das mais diversas, primeiro afirmaram o quão importante foi compreender a cultura de São João d'Aliança.

Em segundo lugar, a referência que os estudantes fizeram dos Indígenas e Kalungas nos remete a pensar que apesar da criação da Lei nº 11.645 de 10 março de 2008, que institui o ensino de cultura afro-brasileira e indígena, temos ainda que superar o estigma do senso comum acerca desse assunto. Mas, também, percebemos que há receptividade dos alunos para aprender sobre as populações supracitadas, bem como para desconstruir o senso comum. Dentre os comentários temos:

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Um terceiro ponto interessante, foi notar que alguns estudantes passaram a reconhecer o outro e a si mesmo como parte da cultura local, pois percebemos que isso o estimula enquanto protagonista em seu meio cultural. Nos comentários abaixo, os estudantes reconhecem pessoas próximas nos vídeos e livros e, essa familiaridade, torna o assunto mais "palpável" e interessante para os mesmos.

Ao perguntar aos estudantes se o projeto desenvolvido mudou a forma deles enxergarem a cultura local e o porquê, 82% responderam que sim, dentre as justificativas, argumentavam que perceberam a beleza e importância, ainda apontam como se isso estivesse "escondido", pois não haviam notado antes.

Os 6% que responderam não, justificaram que: "sempre ouvi falar das culturas da cidade". Os outros 12% não responderam.

Ao perguntar para os estudantes se acreditam que projetos como esse devem acontecer frequentemente, pedindo para justificar, todos responderam sim e obtivemos duas linhas de respostas. Na primeira linha, argumentam a necessidade de outras pessoas aprenderem, perpetuando o ciclo de informação acerca da cultura local.

Na segunda linha de respostas, além de novamente reconhecer o conteúdo debatido em sua realidade, eles argumentam sobre a importância das informações apresentadas no projeto para terem orgulho da cultura local a qual pertencem.

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Todos os estudantes que participaram têm interesse em continuar estudando o tema abordado no projeto e 82% afirmam que participariam de outro projeto com assuntos mais aprofundados sobre o tema.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse projeto trouxe contribuições importantes tanto para os estudantes como para mim acerca da cultura local. Foi notório pelo questionário que boa parte do assunto tratado sobre São João d'Aliança e do Povoado Santiago era desconhecido ou não era visto com a importância que os estudantes demonstraram ter agora. Além disso, a receptividade deles, bem como o interesse pelo assunto foram grandes.

Podemos afirmar que a educação patrimonial tem potencial para valorizar o patrimônio cultural imaterial, material e natural de São João d'Aliança. A educação patrimonial contribui também para o reconhecimento da cultura. Mas, para isso acontecer, trabalhos constantes sobre esse tema devem ser executados até chegar, pelo menos, a nível municipal.

Esperamos que a partir das discussões feitas nessa intervenção, os estudantes reconheçam sua cultura local, porém, não para sua preservação estática, mas sim para que sejam capazes de reconstruí-las nesse novo contexto, ou seja, preservando o que é importante e deixando para trás o que não faz mais sentindo. Com isso, eles se entenderão enquanto protagonistas, conseguindo ir para além das barreiras paradigmáticas que mantém um sistema enfadonho de imposições. Vale ressaltar, que saber valorizar as origens locais sem se perder no passado é adquirir autonomia, reflexão e crítica sobre os fatos, bem como demonstrar o domínio sobre eles.

REFERÊNCIAS

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Kalunga: nossa história, nossa liberdade. Produção: Juliana Braga. Documentário criado para o curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Universidade Católica de Brasília. 2003. (12:37 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=riuQJ2JYdhI. Acesso em: 07 ago. 2015.

O grande mentiroso: Chico Onça e outros mentirosos de São João D'Aliança-GO. Produção: Jaciele Neves Ferreira. Universidade Católica de Brasília, 2010. (13:30 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kgxuWdYqg4Q. https://www.youtube.com/watch?v=uLu5zyyM978. Acesso em: 07 ago. 2015.

Índios no Brasil: Quem são eles?. Produção: SEF SEED e FUNDESCOLA. TVESCOLA. Sd. (17:42 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HA_0X2gCfLs.  Acesso em: 07 ago. 2014.