Governo Federal República Federativa do Brasil Ministério da Educação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Universidade Federal de Goiás

EM DEFESA DO DIREITO À EDUCAÇÃO ESCOLAR:

DIDÁTICA, CURRÍCULO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS EM DEBATE

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SEÇÃO 1
AUTORA Maria Abádia da Silva
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Banco Mundial, Corporações Internacionais e Investidores: Políticas e Formas de Atuação na Educação Básica

Introdução

O Grupo Banco Mundial, há mais de sessenta anos (1946-2016), atua e participa das decisões políticas insistindo para que o governo brasileiro adote ações e medidas estruturantes que modificam a natureza dos serviços sociais prestados à população e, ao mesmo tempo, exige segurança jurídica no sistema financeiro e nos contratos trabalhistas, de modo a ampliar os espaços para negócios empresariais.

Governos e empresários do setor de Educação, há muito tempo, tentam modificar os fundamentos filosóficos, princípios, finalidades, organização e gestão da Educação Básica no país. Eles insistem em eliminar as supostas barreiras constitucionais impeditivas de expansão do setor privado na educação, nicho tido com potencialidades lucrativas. Se existia, ainda, um nicho em que as relações de produção capitalista pouco explorava, era a Educação Básica pública. Agora, conquistar este nicho tornou-se uma alternativa do capital para recompor os níveis de acumulação frente ao processo de reestruturação produtiva e tecnológica.

Nesta direção, os governos, organizações e corporações empresarias, juntos, põem em marcha, mesmo com crises cíclicas, um projeto econômico hegemônico para manter ou ampliar níveis de lucros. Para tanto, subordinam os países-membros a modificar os fundamentos teóricos, formas de provisão, de financiamento e princípios que alteram a natureza das universidades e das escolas públicas, aproximando-as do campo dos negócios rentáveis.

Deste modo, diversas reuniões, a Conferência Mundial de Educação para Todos (1990), Conferência de Dakar (2000), e o documento: Aprendizagem para todos - Estratégia 2020 para a Educação (2011), além do Fórum Mundial de Educação (2015) apontam políticas para a Educação Básica. Assim, o presente texto tem como objetivo analisar as formas e as estratégias de atuação do Banco Mundial após 2008. E, em seguida problematizar como organizações multilaterais, corporações e investidores internacionais disputam a educação básica tornando-a objeto de negócios rentáveis, incidindo na expansão do mercado privado.

Prossigamos na reflexão!

Formas de atuação do Banco Mundial após 2000 na Educação Básica pública

O Banco Mundial foi criado no final da Segunda Guerra Mundial (1939-1944), quando o crescimento da produção, circulação de mercadorias e processos de acumulação de capitais exigiam, como imperativo, a criação de instituições financeiras supranacionais com capacidade para gerir a moeda, arbitrar contendas e mediar as decisões entre os Estados membros. Na Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, em 1944, também conhecida como Conferência de Bretton Woods, em New Hampshire, nos Estados Unidos, foram criadas duas instituições que se tornaram guardiãs dos interesses do capital, com autonomia para induzir ou modificar políticas públicas nos países membros: o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.

Criado em 1944 para ser guardião dos investimentos dos países produtores de petróleo, o Banco Mundial possui 189 países membros; destes, os Estados Unidos, Alemanha, Japão, Inglaterra, Canadá e Itália, juntos, perfazem um total de 51% dos votos na tomada de decisões.

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Atua no direcionamento político, intelectual e econômico dos países, além de oferecer empréstimos e créditos, instiga os governos nacionais a assumirem políticas econômicas e sociais internacionais. O Grupo Banco Mundial compõe-se das seguintes instituições financeiras: Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento - BIRD (1944), Agência Internacional de Desenvolvimento - AID (1960), Corporação Financeira Internacional - CFI (1956), Agência de Garantia de Investimentos Multilaterais - MIGA (1988), Centro Internacional para Resolução de Disputas – ICSID (1965) e o Painel de Inspeção. É uma instituição financeira internacional que estimula empréstimos para o crescimento econômico dos países membros. Estas instituições passaram a direcionar e supervisionar os negócios financeiros do mundo privado empresarial e, desde a conferência de Seattle (2002), pressionam para tornar a Educação um negócio de compra e venda.

Como o Banco Mundial atua nos países? Como um banco internacional que oferece créditos e vende empréstimos aos governos federal e estaduais e empresários. Cada país membro tem possibilidades de assinar acordos, protocolos e operações de créditos externos que resultam em empréstimos para o financiamento de projetos ou programas de infraestrutura social e econômica, agricultura, recursos hídricos, transporte e desastres naturais. Financia projetos e programas dos governos e de empresários. Atua, também, com assistência técnica ou institucional na reorganização dos governos ou de secretarias, na realização de estudos e consultorias, assistência aos programas de formação e treinamento de quadros técnicos e profissionais.

Entre os objetivos, podem-se destacar: arbitrar conflitos comerciais e fomentar a estabilidade cambiária; propor acordos de cooperação financeira e ajuda técnica; hierarquizar os melhores países para investimentos seguros; regulamentar os acordos comerciais e financeiros; realizar empréstimos e obter altos lucros; disponibilizar serviços; regular as relações políticas, econômicas e diplomáticas entre os estados- membros; aplicar punições e sanções aos devedores; exigir a adesão dos países às rígidas condicionalidades; e fiscalizar a aplicação de políticas e medidas externas no país devedor.

Se o Grupo Banco Mundial é formado por instituições financeiras, que relações possuem com a Educação Básica pública? De que maneira organizações multilaterais, corporações e investidores internacionais tornam a Educação Básica pública um nicho rentável e lucrativo para o mercado? Como direcionam ações políticas de privatização da Educação Básica? Como corporações e grupos privados que possuem declarados interesses lucrativos influenciam a política para a Educação Básica pública desde 2002?

De 2002 em diante, pode-se observar a constante presença das corporações e organizações internacionais na disputa da política educacional como outro nicho de negócios exploráveis e rentáveis, ainda que fosse necessário fazer alianças políticas para derrubar cláusulas constitucionais e entrar nos países. Se na década 2000, grupos de investidores e empresários exploraram uma parte significativa da Educação Superior, agora, pressionam para ampliar o comércio na Educação Básica privada, como indutor para alcançar segmentos produtivos, na oferta da educação a distância, virtual, nos meios de tecnologia e comunicação, nos equipamentos, mídias, nos setores de têxteis e vestuário, livros didáticos, gestão e alimentação escolar como formas de se tornarem mais competitivas e alcançar parte da Educação Básica pública.

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Neste movimento de atuação, as corporações internacionais e investidores de capital externo contam com o Estado brasileiro para alterar o ordenamento jurídico e permitir a venda de serviços públicos, na medida em que favorece a entrada de capital externo para os grupos nacionais, a aquisição ou fusão de grupos empresariais que formam conglomerados e agem, no país, sob a lógica do privado competitivo. Para tanto, contratam consultorias estratégicas para avaliar o valor do retorno da compra ou aquisição de escolas privadas e, ao mesmo tempo, disputam o fundo público na elaboração de materiais didáticos, na provisão de Educação Infantil, formação docente e venda de equipamentos, software e serviços de internet.

Na sua trajetória de atuação, o Banco Mundial, com a anuência dos governos federal e estaduais, naturalizou sua presença e participação nas decisões políticas como se fossem necessidades nacionais. Esta posição política serve de sustentáculo para conduzir e expandir os interesses das corporações e investidores de capital, e estes se associam aos empresários nacionais para elevar taxas de lucros e segurança para o capital. Esta prática do atuar e propor operações de crédito, empréstimos financeiros para programas ou projetos, de oferecer assistência e cooperação técnica fez predominar, no país, a crença de que o direito à Educação Básica pública, inscrito na Constituição Federal de 1988, estava garantido e consagrado. Um engano: não está!

No cenário econômico, outras organizações, corporações e investidores internacionais entraram no jogo competitivo e, junto com empresas multinacionais e transnacionais, fabricam, criam objetos, equipamentos, sistemas de comunicação, informação, transferência de dados, imagens que estimulam práticas comerciais, desejos e necessidades humanas. Neste circuito de concorrência e competitividade, atuam junto com os governos para, se necessário, alterar direitos sociais vigentes.

Entretanto, estas organizações e corporações são compostas por executivos de conglomerados transnacionais, milionários, acionistas, banqueiros, magnatas financeiros dos setores automobilístico e das tecnologias eletrônicas que atuam e comandam decisões dentro e fora do Estado democrático de direito. Este arbitra as exigências dos capitalistas e mitiga as demandas sociais emergentes. Contudo, ao analisar a atuação política do Banco Mundial na Educação Básica após anos 2000, exige-se explicitar os fundamentos econômicos defendidos pelos seus ideólogos, consultores e diretores, e cotejar com as ações de governos e grupos empresariais dominantes. Estes arautos do capital defendem um tipo de racionalidade, competitividade, flexibilização, modernização e reforma na legislação trabalhista para melhorar o crescimento de suas economias. Foi neste terreno que floresceram as proposições de privatização, terceirização, racionalização, eficiência e eficácia, competitividade, parcerias público-privadas, os contratos de gestão, descentralização e focalização para políticas sociais sob a lógica neoliberal.

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No fundo, os pressupostos teóricos do Banco Mundial estão assentados no mercado livre, na concorrência, no individualismo e competitividade. Estes princípios também estão nas bases das corporações internacionais e dos grupos privados, como Kroton, Ser Educacional, Somos e Estácio de Sá, ávidos para explorar e comercializar o ensino. Estas redes de ensino põem em marcha compra, venda e aquisições de escolas privadas, materiais didático-curriculares, modelo de gestão e formação de professores, na expectativa de elevar o crescimento econômico, circulação e aceleração da competitividade entre os países capitalistasValor Econômico. Ensino básico atrai faculdades, fundos e até jogador de futebol. Disponível em: www.valor.com.br/. Acesso em: 11 set. 2017. E Kroton mira o nicho e a massa no ensino básico. Disponível em: https://exame.abril.com.br/.../ Acesso em: 23 abr. 2018.. Portanto, as finalidades da educação são formar consumidores, profissionais com competências, destrezas e comportamentos para aumentar a produtividade e o crescimento econômico dos países-membros. Assim, os empréstimos do Banco Mundial para a Educação Básica e a capacidade das corporações internacionais de gerir redes de ensino privado e de explorar os fundos públicos do Estado são formas de atuação externa nas políticas nacionais, com vistas ao aumento da produtividade econômica e do consumo dos indivíduos.

No âmbito das disputas internacionais e comerciais, esses arautos do capital externo e as elites empresarias nacionais reafirmaram a necessidade de estabelecer outro padrão de acumulação, circulação e reprodução do capital, sem fronteiras e livre. Por conseguinte, desde 2000 e 2010, os governos neoconservadores, ministros de Estados, investidores e empresários afirmaram uma política de condução de um projeto econômico hegemônico fincado na segurança do capital, e conservador, nos direitos humanos e sociais. Esses arautos do mercado seguiram, de forma sistêmica, preceitos neoliberais e, independentemente do partido político e do governo que estiver na presidência, passaram a exigir reformas da Previdência, do Trabalho, na Educação.

Assim, além de vender operações de créditos aos governos nacionais, conduziam um pacote político-administrativo para limitar os gastos sociais e direcionar o Estado para os interesses do capital, de maneira a expandir o mercado livre. Basta lembrar, por exemplo, os planos de ajustes estruturais (1995), empréstimos do Banco Mundial e reformas do Estado (1995); da Previdência; do Trabalho e da Educação (2016); em que modificam a legislação constitucional para justificar interesses e estratégias de ações dentro da ordem institucional e jurídica no país.

Neste cenário de recomposição política e para atenuar a crise econômica, situamos as relações entre o Banco Mundial, corporações internacionais e o governo brasileiro, pois, entre 2008 e 2018, floresceram proposições e programas dos Organismos Multilaterais: Banco Mundial; Organização para o Desenvolvimento e Cooperação Econômica - OCDE; Organização das Nações Unidas para a Educação, Cultura e Ciência – Unesco para, juntamente com os governos nacionais, modificar a legislação constitucional, ajustando-a aos interesses macroeconômicos.

Assim, cada vez mais, na ordem internacional, o poder econômico e político dos países capitalistas movimenta corporações empresariais, bancos, seguradoras e bolsas de valores e fundos que, concentrados, comandam, em escala mundial, investimentos e negócios do capital. Na ordem nacional, o poder econômico e empresarial dos setores automobilístico, alimentícios, agrícola, agrotóxicos, bebidas, setor elétrico e hidráulico, editoras, farmacêutico, informática, tecnologias, têxteis, metalúrgica, transporte, petroquímico, e portuário estão cada vez mais associados com o poder político para explorar e movimentar os seus negócios. E como estratégia, uma investida neoliberal avança, desde 1990, exigindo a abertura de mercado livre para o capital; segurança jurídica para contratos; flexibilização trabalhista e subordinação dos direitos sociais conquistados na Constituição Federal de 1988.

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Neste interregno, o Banco Mundial, sem reservas, atuou como timoneiro, mandatário e guardião do capital financeiro fictício dos investidores transnacionais em outros países. Com a anuência dos governos locais e com capacidade de pressão, atua nos países membros para expandir os negócios do capital, por meio de empréstimos com pagamento de altos juros, acordos, subscrição a convenções, financiamento de projetos e programas, pressões para adotar medidas externas, condicionalidades inscritas nos acordos e tratados, assinatura de documentos resultantes de Conferências, monitoramento da política econômica e social do país, financiamento para projetos de infraestrutura social e econômica, agricultura e recursos hídricos, transporte e desastres naturais, empréstimos e créditos para empresários. Adicionam, ainda, assistência técnica e institucional, consultorias e treinamento de quadros técnicos e profissionais. Por conseguinte, pela capacidade política e econômica, atua como guardião dos negócios do capital, condiciona empréstimos e operações de créditos à obtenção de vantagens e juros, além de ajustes na legislação constitucional, tornando-a consoante aos desígnios econômicos.

Ademais, a adoção, pelos países membros, de princípios econômicos consoantes com a reprodução do capital, induz a abertura de nichos novos de mercado. Sobre este aspecto, estudos de Dale (2015) apontam que existe um movimento de globalização que faz emergir um mercado educacional mundial comum, presente em uma agenda globalmente estruturada para a Educação. Para Antunes (2009), está em curso uma agenda globalmente estruturada no mercado mundial de serviços educacionais e, de acordo com Beech (2008), há uma alta fidelidade entre os organismos multilaterais com o propósito de um modelo universal de educação em distintos governos. Se antes os esforços eram para inserir a educação dentre os itens comercializáveis pela Organização Mundial do Comércio - OMC, agora, de 2008 em diante, organiza-se um mercado rentável por meio de fusões de instituições, fornecimento da educação a distância, intercâmbios, compra de franquia, venda de materiais didáticos, venda de serviços de tecnologias, de apostilas de conteúdos, cursos online, consultorias, aplicação de fundos de capitais na bolsa de valores: são elementos que evidenciam existir um mercado de negócios de Educação.

De fato, governos, partidos políticos e grupos empresariais do setor da Educação atuam por meio de acordos, protocolos, operações de créditos, empréstimos e subscrição a documentos das conferências, em que reafirmam a abertura do mercado interno para as empresas transnacionais e multinacionais e redução de gastos sociais públicos. Ao abrir o mercado educacional para grupos privados internacionais, buscam: a) expandir os espaços para crescimento de colégios, escolas ou faculdades privadas; b) favorecer a fusão de empresas de ensino; c) encurtar os recursos públicos para escolas e universidades públicas; d) exaltar os resultados do ensino privado; e e) modificar as finalidades e concepção de educação, tudo isso com a plena anuência dos agentes públicos do Ministério da Educação ou das Secretarias Estaduais de Educação.

Estudos apontam que o Banco Mundial atua como ator intelectual e econômico na direção dos negócios empresariais e comerciais (PEREIRA, 2010; SOUZA, 2017). Então, cabe evidenciar: como organizações multilaterais e corporações atuam na formação de um mercado educacional? Como os governos federal e estaduais se posicionam diante das alternativas desses arautos do capital? Se, no início, atuaram por meio de empréstimos financeiros para programas e cooperação técnica e institucional, como atuam de 2008 em diante? Por que corporações internacionais buscaram ampliar seus negócios comerciais na Educação Básica pública?

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Estratégias das corporações internacionais e do Banco MundialEstratégias das corporações internacionais e do Banco Mundial

Neste movimento internacional e orgânico, de ideário neoliberal e mercados livres, floresceram os empresários da Educação, as corporações, grupos de investidores, e os Departamentos de Educação dentro das instituições multilaterais, dispostos a tomar dos governos ou fazê-los ver que a educação pode ser objeto de comércio. Esses senhores estavam dispostos a participar das decisões de políticas que incidem na Educação dos países, por meios de empréstimos, cooperação técnica e financeira, comissão de experts, consultores de finanças corporativas, revisão por pares e publicação de indicadores de Educação. Assim, criaram um Departamento de Educação composto por especialistas para tratar dela no âmbito dos bens de comércio. Os integrantes realizam diagnósticos e propõem políticas e ações para tornar a Educação mais competitiva nos países, verificar riscos e potencialidades de lucros, apontar escolas que estão em boa situação financeira, compor indicadores dos níveis de Educação dos países para, em seguida, submetê-los a comparações internacionais.

Então, foi no contexto de transformações nas funções de Estado democrático, decorrentes das demandas sociais, de maior visibilidade de novos sujeitos de direito, de exigência de um Estado eficiente para o capital, das tecnologias de comunicação e informação, de desemprego e de crença exacerbada nas competências que a Educação passou a ser vista como (i) potencialidade de negócios empresariais, um quase mercado; (ii) como condição determinante para o crescimento da economia dos países; (iii) como um serviço que pode ser ofertado e explorado pelo setor privado; e iv) como mercadoria para compra e venda.

Esta posição política foi defendida pelos arautos do capital reunidos em fóruns, conferências e reuniões de chefes de Estado, Ministros de Educação, empresários, grupos privados, investidores e organizações; depois foi transformada em agenda política dos governos empresários nacionais, partidos políticos e empresários da imprensa.

Contudo, em 1990, durante a Conferência Mundial de Educação para Todos em Jomtien, novamente esses senhores viram que o desenvolvimento econômico não tinha alcançado os padrões desejados. Entre os motivos estavam o baixo nível de Educação das pessoas, visto como um obstáculo social e uma ameaça que poderia gerar outras demandas sociais. No documento Necessidades Básicas de Aprendizagem, chefes de governos, experts do Banco Mundial, Unesco e os ministros de Estado propuseram garantir às pessoas um mínimo de sustento de suas necessidades básicas, e reafirmaram a Educação como condição para aliviar a pobreza e como ferramenta para adquirir outras competências, destrezas e habilidades técnicas. No fundo, prover a oferta da Educação tornou-se estratégia das corporações, Banco Mundial e OCDE.

As disputas acirram-se em torno da provisão de oferta e das finalidades da educação: formar indivíduos para competir, consumir e disputar suas competências no mercado de trabalho, serem capazes de vencer as crises e estar preparados para adquirir novas destrezas, conhecimentos, atitudes, valores e habilidades, ajustando-se e recriando-se nas brechas e nas disputas do mercado de emprego.

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[...] Os investimentos em matéria de educação e de pesquisa constituem uma necessidade e uma preocupação prioritária da comunidade internacional diante do risco de marginalização total dos excluídos do progresso... Se não se fizer um grande esforço para afastar esse risco, alguns países, estarão incapazes de participar da competição tecnológica internacional, e prestes a constituir bolsas de miséria, de desespero e de violência impossíveis de reabsorver através de assistência e ações humanitárias (DELORS, 1999, p. 74).

Desigualdades persistem e certos grupos- minorias, mulheres e os pobres - são desproporcionalmente excluídos. As taxas de evasão são altas em muitas regiões, fazendo com que só dois terços das crianças que começam a escola atinjam o quinto ano. Muitas crianças estão recebendo ensino de baixa qualidade, baseado em currículo antiquado e inadequado. O resultado é a obtenção de baixa pontuação em testes e a existência de diplomados desempregados e com habilidades erradas (BANCO MUNDIAL, 1999, p. vii).

Na década de 1990 e em diante, os governos nacionais assumiram os preceitos neoliberais, sob o slogan de modernização da economia. Executaram ajustes e reformas em uma tentativa de alterar o padrão de crescimento econômico e aumentar a produtividade e o consumo. Naquele movimento político cresceram as condicionalidades cruzadas das organizações multilaterais, entre elas, abolir as barreiras para a entrada de corporações e empresas estrangeiras para que pudessem competir com as nacionais, formando redes transnacionais. Nesta mesma linha, os governos enalteceram as privatizações estatais, a descentralização dos serviços públicos e maior flexibilização sobre a legislação trabalhista, tornando-a consoante com os novos tempos de emprego intermitente.

No âmbito dos fins e finalidades da Educação brasileira, observava-se outro tipo de formação: exigia trabalhadores úteis, adaptáveis, capazes de produzir e desvencilharem-se das crises cíclicas. Fortaleceu, então, a visão de que cabe ao indivíduo a responsabilidade de estar apto ao mercado, que os seleciona! Deste modo, preconizou uma formação que satisfaça as necessidades humanas básicas de aprendizagem para que o indivíduo possa, com as competências, destrezas e habilidades adquiridas, estar em condições de se apresentar para o emprego e vencer as dificuldades sociais.

Em 2000, no Senegal, os arautos do capital, reunidos na Conferência de Dakar, perceberam que havia poucos avanços nas metas e objetivos da Educação para garantir as necessidades básicas. Então, desta vez, resolveram apostar na qualidade da Educação e na formação de professores como prioridade dos esforços. A questão dos professores vinha ocupando centralidade nas reuniões preparatórias, associada com aprendizagem para todos. Tal empreitada passou a exigir, dos governos, ações de descentralização dos serviços sociais, melhorar a eficiência do gasto público, instituir sistema de avaliação em larga escala, monitoramento do rendimento escolar e aumentar parcerias com comunidade. Portanto, esses senhores e ministros de Estados transformaram os indicadores internacionais de Educação em um elemento político associado aos fins econômicos promissores sob a ótica neoliberal. Afirmaram que

[...] o melhoramento dos níveis educativos é visto como condição fundamental para obter os níveis de produtividade e competitividade [...] e como ferramenta principal para melhorar a distribuição da renda e reduzir a pobreza a médio e longo prazo (BANCO MUNDIAL, 2000, p. 24).

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Em 2011 apregoaram, no documento Aprendizagem para todos: investir nos conhecimentos e competências das pessoas para promover o desenvolvimento, a partir de três estratégias, investir antecipadamente, investir de forma inteligente e investir para todos. Com o slogan aprendizagem para Todos’ no mundo em desenvolvimento, propuseram, como objetivo, não só escolarização, mas a aprendizagem, fazer com que as pessoas aprendem dentro e fora da escola (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 1-5). Nesta empreitada, propôs três eixos: (i) geração de conhecimento - significa alcançar os dados e informações em Educação dos países e desenvolver indicadores comparativos para pressioná-los a adotar critérios universais de verificação dos níveis de Educação do país; (ii) apoio técnico e financeiro – significa a presença de técnicos externos ou gestores locais capazes de aplicar e conduzir programas que promovam resultados e padrões de qualidade e competências consoantes aos indicadores internacionais; e (iii) parcerias estratégicas - significa a realização de parcerias para analisar no nível global e agir no nível local, por meio de lideranças e setor privado na oferta de serviços.

Portanto, o crescimento econômico acelerado pelas parcerias público privadas e a formação de um quase mercado da Educação para os empresários são alguns dos pilares da aprendizagem para todos, defendidos por governos neoconservadores, empresários, investidores, milionários, magnatas, executivos do Banco Mundial e Unesco, pois difundem uma acirrada corrida para busca de um tipo de aprendizagem e, ao mesmo tempo ampliam os nichos de mercados financeiro e comercial.

Em outras palavras, propõem um tipo de crescimento econômico que

[...] implica uma reforma das relações de responsabilização entre os atores e participantes e um sistema educacional coerente e monitorado. Além de estabelecer um ciclo de retorno entre financiamento e resultados das escolas...

O Banco Mundial concentrará cada vez mais a sua ajuda financeira e técnica em reformas dos sistemas que promovam os resultados de aprendizagem. Concentrará em ajudar os países parceiros a consolidar sua capacidade nacional para reger e gerir sistemas, implementar padrões de qualidade e equidade, medir o desempenho e apoiar a definição de políticas e inovação (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 6).

Nestes termos, corporações internacionais, governos locais e empresários atuam para acentuar as conexões entre Educação e mercado. Como? Por meio assinatura de documentos das conferências, dos fóruns e das reuniões, o governo brasileiro assume compromisso para executar as decisões externas no país. Outra forma de atuação é pelos empréstimos, pois ao solicitar, o governo se compromete a adotar medidas duras chamadas de condicionalidades para atender as regras e exigências do banco. Estas condicionalidades podem ser: reforma no ensino médio, aplicação dos testes do Programa Internacional para Avaliação de Estudantes – PISA, benefícios para setor de editoras na venda de livros didáticos e a pressão e encurtamento de recursos públicos para as universidades. Ademais, das decisões empresariais, indústrias e do mercado vêm as necessidades requeridas para que as escolas de ensino atendam essas exigências na formação escolar. Dos governos exige-se direcionar os recursos para aquelas escolas que apresentam bons resultados na formação de indivíduos com competências e habilidades técnicas requeridas pelo mercado, pela indústria, comércio e setor de serviços.

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Estratégias das corporações internacionais e do Banco MundialEstratégias das corporações internacionais e do Banco Mundial

Cada vez mais os governos nacionais tomam suas decisões em consonância com políticas externas, acordos, convenções, tratados e protocolos internacionais. As organizações e corporações movimentam fundos no mercado financeiro e, então, cabe indagar: como corporações e grupos estrangeiros que possuem declarados interesses privados interferem na política para a Educação Básica pública de 2011 em diante?

Observe que são os declarados interesses privados que movem os investidores, corporações, ministros de Estado, governos e empresários nacionais para compor ações estratégicas que ampliam a oferta do ensino privado, na expectativa de avançar para o nicho da Educação Básica pública. Estes senhores induzem processos de privatização por meio do acirramento de fusões e aquisições de escolas privadas, indução do modelo gerencialista, presença das entidades privadas na gestão da escola pública, alterações na forma de prover a oferta e financiamento, venda de materiais didáticos e tecnológicos, cursos a distância e formação de professores.

Nos próximos anos, o setor privado desempenhará um papel crucial no apoio ao crescimento do Brasil. O país continuará enfrentando desafios significativos no caminho do desenvolvimento social e econômico sustentável, e uma maneira de ajudar a enfrentá-los, em um momento de restrições fiscais, é mobilizar uma grande quantidade de investimentos de longo prazo em setores-chave da economia. O sucesso que o Brasil terá nesta importante jornada terá como base a parceria entre os setores privado e público (GOMEZ ANG, Hector representante da IFC para o Brasil)Disponível em: http://www.worldbank.org/.../brazil-world-bank-group- presents-country-partnership-strateg. Acesso em: 13 jul. 2017..

De modo que os fins e finalidades da Educação estão entrelaçados com o crescimento econômico do capital e com os negócios do mercado livre, por meio do Estado eficiente que garante segurança, flexibilização da legislação constitucional, expansão para comércio de bens e serviços públicos, fusões ou aquisições de escolas sem riscos, a livre concorrência de produtos e de serviços, além de controle sobre os trabalhadores em consonância com as proposições das organizações.

Assim, a lógica é romper com a defesa da Educação como um direito, lançando-a para negócios rentáveis: subordinar-se ao princípio de compra e venda, naturalizado. Não se trata de discutir se ela é um direito social, mas situá-la dentro de uma cadeia produtiva que carrega outros serviços adicionais e complementares, fazendo girar um comércio mundial de bens e serviços. Cada vez mais, na Educação Básica, constatam- se corporações empresariais disputando compra ou fusões de escolas. As fundações privadas atuam no âmbito pedagógico, de avaliações, de venda de equipamentos de tecnologias, conteúdos apostilados, materiais didáticos e nos fins e finalidades da educação. Após 2008, os investidores passaram a atuar com os fundos públicos, uma modalidade de investimento dos rentistas que resulta em ganhos rápidos e aplicações fictícias, pois compram ações ou títulos na bolsa de valores e vendem e obtém ganhos imediatos. A atuação dos investidores na compra, fusões e incorporação de escolas é sinal das potencialidades da Educação a ser explorada. Os ganhos obtidos na compra dos títulos e ações na bolsa de valores são, depois, reinvestidos em uma ciranda financeira especulativa, demonstrando, assim, o peso e a força do capital financeiro para se reproduzir na sociedade contemporânea.

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Em 2015, na Coreia do Sul, reunidos ministros, chefes de Estados, chefes de Agências e oficiais de organizações multilaterais e bilaterais, representantes do setor privado, corporações, representantes de docentes e da juventude, no Fórum Mundial de Educação, aprovaram o documento Declaração de Incheon - Educação 2030 e Marco de ação da Educação para, novamente reafirmar as estratégias educacionais. Propuseram, então, “uma nova visão para a educação” destacada no objetivo a seguir:

Comprometer-se com percursos de aprendizagem flexíveis e também o reconhecimento, a validação e a certificação de conhecimento, das habilidades e das competências adquiridas por meio tanto da educação formal quanto informal (UNESCO - Declaração de Incheon, 2015, p. iv).

Então, sob a retórica de uma face social, a Declaração de Incheon – 2015 Marco de ação da Educação propõe “assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos” (p. 5) Segue o documento

[...] O direito à educação começa no nascimento e continua ao longo da vida; portanto o conceito de aprendizagem ao longo da vida é o guia para a educação 2030. Para complementar e suplementar a escolarização formal, devem ser oferecidas oportunidades amplas e flexíveis de aprendizagem ao longo da vida, por meio de caminhos não formais, com recursos e mecanismos adequados, e também por meio de estímulo à aprendizagem informal, inclusive pelo uso de TIC (UNESCO – DECLARAÇÃO DE INCHEON, 2015, p. 9).

De fato, esta posição política vem das conferências desde 1990, sob o slogan Educação ao longo da vida! Quem há de ser contra? Ninguém! Então, é necessário aprofundar a análise em busca da essência desse slogan prescrito e levado a cabo pelo Banco Mundial, OCDE e corporações internacionais. Observe os trechos a seguir

Inovação, com foco em parcerias, transparência, equidade e eficiência: para alcançar essa agenda educacional ambiciosa, será necessário destravar todas as fontes potenciais para apoiar o direito à educação, indo além da abordagem “negócio é negócio” e, às vezes, fazer mais por menos. (UNESCO, 2015, p. 35).

Orientar recursos de financiamento privado: para além de seu papel crucial em pagar impostos, o setor privado emergiu como colaborador potencial significativo para complementar os recursos para a educação e aumentar as sinergias. Será essencial garantir que o gasto do setor privado com a educação seja orientado para os países e povos mais necessitados, além de reforçar a educação como bem público. Parcerias bem sucedidas com o setor privado demandarão coordenação efetiva e mecanismos regulatórios para garantir a transparência e a responsabilização (UNESCO – Declaração de Incheon, 2015, p. 36).

Observe que as expressões “ foco em parcerias”, “alcançar agenda educacional ambiciosa”, “negócio é negócio” “o setor privado como colaborador potencial” são princípios defendidos por organizações multilaterais e corporações empresariais no âmbito das ações e empreendimentos dos arautos capitalistas.

Em 2015, reunidos em Incheon, Coreia do Sul, no Fórum Mundial de Educação (FME2015) os chefes de Estado, organizações multilaterais, representantes da sociedade civil e do setor privado propuseram:

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As parcerias, em todos os níveis, devem ser guiadas pelos princípios de um diálogo político aberto, inclusivo e participativo, junto com responsabilização, transparência e sinergias mútuas. A participação deve começar com o envolvimento das famílias e das comunidades para incentivar a transparência e garantir uma boa governança na administração educacional. O aumento da responsabilização no âmbito da escola pode fortalecer a eficiência na oferta dos serviços (UNESCO – Declaração de Incheon, 2015, p. 27).

Observe que o setor privado, parcerias, responsabilização, envolvimento da comunidade e das famílias já estavam no documento do Banco Mundial Prioridades y estratégias para la Educación (desde 1996) ao induzir que, de acordo com as circunstâncias, cada país deveria:

Dar prioridades para a educação básica, melhorar a equidade e eficiência, descentralização e autonomia escolar, impulsionar o do setor privado e OnGs como agentes na provisão da educação, definir prioridades baseadas em dados de custo-benefício, adotar enfoque setorial e estimular a participação dos pais e da comunidade (BANCO MUNDIAL, 1996).

De fato, educação ao longo da vida, nesta lógica, tem um fundamento economicista voltado para a instrumentalização e treinamento de indivíduos para as necessidades do mercado livre. O fundamento principal da formação assenta no aprender a fazer e aprender a aprender e ‘’sintetiza uma visão de que os indivíduos buscam sempre e constantemente uma infatigável adaptação à sociedade regida pelo capital” (DUARTE, 2008, p. 11).

Sob esta lógica, nota-se uma constante reafirmação aos governos nacionais em adotar políticas de expansão do setor privado, favorecendo as corporações, investidores e grupos internacionais na educação dos países (BALL, 2014). Estes grupos se apresentam comoDisponível em: http://ccsindia.org. Site da Centre for civil Society (CCS). Acesso em: 23 abr. 2018.“ nós somos uma organização de ideias, um think tank que desenvolve ideias para melhorar o mundo ” e, cada vez mais buscam incidir na provisão da educação pública, alterando o sentido do direito social para o sentido de um negócio comercial.

Em outro documento La inversión más inteligente: marco para la participación del mundo empresarial en la educación (2013) foram propostas quatro ações para associar as prioridades empresariais com as educacionais: “atividades empresariais básicas; investimentos social e filantropia; promoção e participação em políticas públicas; e associações de colaboração e ações coletivas” (p. 10). “Em todo o documento foram descritas as formas de participação do mundo empresarial na educação por meio de três etapas: elaborar estudos de viabilidade, determinar as atividades para melhorar a educação e beneficiar as empresas e atuar com inteligência” (p. 12).

Neste sentido, há um crescimento da educação no mercado global de negócios. Significa que na educação superior ainda há espaço para ampliação de serviços via tecnologias, mídias, cursos a distância, cursos online a ser explorado pelas corporações empresariais. A estratégia acertada é o arremesso de empresários e dos investidores incidindo na aquisições ou fusões escolas privadas para alcançar as escolas públicas de diferentes formas, seja nas finalidades, na formação, currículo ou seja na provisão.

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Portanto, há um projeto hegemônico conservador sendo conduzido pelos governos, ministros de Estado, investidores, corporações empresariais, magnatas e executivos do Banco Mundial, OCDE e Unesco, com a anuência dos governos e empresários nacionais para eliminar as barreiras de reprodução do capital e garantir a livre concorrência. Para sua execução, distintos países membros utilizam ideologias, símbolos, legislação constitucional, programas, projetos e ações concretas em que o capital se reproduz, mas a luta de classes se intensifica, cada vez mais, diante das desigualdades regionais e sociais, da divisão social do trabalho e da distribuição dos bens culturais na sociedade.

Historicamente, os donos dos meios de produção, revisitam as dualismos na Educação (FERREIRA, 2017; DUARTE; DERISSO, 2017). Apostaram e a tomam como um instrumento de qualificação de trabalhadores. Agora, a estratégia comercial é incluí-la no âmbito de objeto ou mercadoria de compra e venda para grupos privados e investidores, dentro da ordem jurídica e constitucional do país. É neste sentido que os grupos privados: Kroton, Estácio de Sá, Ser Educacional e o Grupo Somos atuam, em uma acirrada movimentação para explorar a Educação Básica privada para alagar os horizontes e alcançar as escolas públicas.

Neste mesmo cenário, em mudanças, também se encontram outros fins e finalidades da educação básica, voltados para o desenvolvimento humano, da humanidade que há em nós, e que possa atender os seres humanos em condições de igualdade, respeitando as singularidades e proporcionando a elevação da consciência crítica, o acesso ao conhecimento científico, produzido e traduzido, para todas as idades, além da valorização das artes, da cultura e alegria de viver (LIBÂNEO, 2016).

Ainda que as corporações, organizações multilaterais atuem trazendo uma avalanche de interesses, há movimentos populares, fóruns de educação e associações científicas que confrontam tais medidas: de subordinação das decisões locais aos preceitos externos, de adesão aos programas de avaliação em larga escala, de gerencialismo na gestão das escolas, de agressiva competitividade entre as escolas e de práticas de individualismo, pois estas alternativas não melhoraram a vida em sociedade e nem trouxeram benefícios para a formação escolar e humana.

Para continuar reflexões!

Historicamente, o Banco Mundial, ao longo de sua trajetória, compôs o slogan Educação como aprendizagem ao longo de toda vida como um ideário a ser assumido e seguido por governos nacionais, ministros de Estado, grupos privados, corporações e empresários. Por conseguinte, atuaram na perspectiva da teoria do capital humano com prioridade para espalhar a Educação como instrumento para o crescimento econômico, aumento da produtividade dos trabalhadores e alívio da pobreza. Agora, estes senhores, para repor os níveis de lucros, almejam tratar o ensino privado no âmbito de expansão de mercados, na expectativa de alcançar a Educação Básica.

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Há convergência entre as proposições do Banco Mundial, da OCDE e o governo federal, partidos políticos e corporações empresariais, pois articulam alianças para a conformar e disputar um mercado internacional da Educação. Atuam nas reformas, na expansão de mercado, privatização da Educação, alterando seu caráter público e estatal e transformando-a em um nicho de investimentos financeiros. A escola pública vem se tornando objeto de exploração de negócios lucrativos no modelo gerencialista de gestão, na adesão aos programas internacionais de avaliação em larga escola, na forma de prover a oferta e no financiamento do ensino, na competição estabelecida pelos indicadores do Índice de Desenvolvimento da Educação- IDEB, na transferência de escolas públicas geridas pelas fundações, e institutos e organizações sem fins lucrativos, monopólio do livro didático em poucas editoras, abertura da formação continuada de professor como fator de qualidade do ensino.

Para este tipo de crescimento econômico, de bases neoliberais, a teoria do capital humano consolida uma Educação de resultados, pragmática e utilitária sob a lógica da padronização, ranqueamentos, indicadores, comparações, padrões, incidindo sobre currículo, formação de professores, sistema de avaliação, provisão e oferta de ensino, financiamento e gestão, de modo, a abrir o setor educacional em consonância com os interesses privados do mercado de negócios rentáveis.

Portanto, torna-se necessário avançar para a essência dos slogans: (i) satisfação das necessidades humanas básicas de aprendizagem, essa uma estratégia política, pois camufla o crescimento econômico desigual e disfarça as desigualdades sociais sob a retórica de um tipo de qualidade de ensino proposta pelos organizações multilaterais e anuência dos governos; e (ii) aprendizagem ao longo da vida, pois este, tem um condão sedutor. Nós aprendemos durante toda a vida! Mas não é este sentido que os arautos do capital estão defendendo. É sim, um árduo e incansável processo para que os trabalhadores, as mulheres, jovens estudantes adquiram aquelas competências e habilidades requeridas pelo mercado, todos os dias!

E, o setor privado empresarial tido como capaz de obter produtividade na provisão de serviços públicos, rompe com o princípio da gratuidade e do direito social. Não se trata de eliminar o direito à Educação, mas modificar e substituir a defesa do direito pela prática de compra e venda da educação, criando, nos indivíduos, hábitos de consumidores de serviços públicos, dentro da ordem jurídica instituída, com vistas ao progresso do capital.

Manter velas acesas em dias chuvosos e de ventania, esta é a luta. Sigamos!

Sobre a autora

MARIA ABÁDIA DA SILVA • Mestre (1996) e doutorado (1999) em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Pós-doutorado na Facultad de Educación, Salamanca- Espanha (2011). Professora do curso de Graduação em Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação Universidade de Brasília desde 2002. Coordena o ÁGUIA – Grupo de Estudos e pesquisas sobre Organismos Internacionais, gestão e políticas para educação básica inscrito no Diretório da CAPES/CNPq. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília- PPGE/FE/UnB - Gestão 2014-2016 e 2016-2018. Desenvolve estudos e pesquisas com os seguintes temas: História da Educação do Distrito Federal, Políticas dos Organismos financeiros Internacionais com ênfase nas políticas para a educação básica, gestão da educação, e gestão escolar. Contato: abadiaunb@gmail.com

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Referências

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