O reuso de acervos culturais digitalizados no âmbito das indústrias criativas: a experiência do projeto Europeana Creative

Resumo No mundo contemporâneo, as tecnologias de comunicação e informação parecem ocupar um papel de protagonista nos mecanismos de desenvolvimento econômico, social e cultural, dessa forma a digitalização conteúdos e o uso da informação digital parecem figurar uma lógica emergente. Seguindo a tendência, instituições culturais como museus, bibliotecas, arquivos e galerias em todo o mundo empreendem em projetos de digitalização de acervos que estão em diferentes etapas de execução, tentando tornar seu conteúdo acessível e disponível para o reuso, sobretudo como recurso para as indústrias criativas. Dessa forma, o presente artigo tem como propósito apresentar o resultado de uma investigação que analisa as experiências do projeto Europeana Creative, que mobilizou uma rede de instituições e profissionais das indústrias criativas.

Palavras-chave reuso, indústrias criativas, acervos culturais digitalizados.

Autoria

  • Danielle do Carmo

    É mestre em Memória Social e Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas e licenciada em História pela Universidade Federal de Goiás. Atuou como pesquisadora no Observatório Brasileiro de Economia Criativa - GO vinculado ao Media Lab/ UFG. Atualmente é pesquisadora no projeto Tainacan: estudos e pesquisa de metodologia com foco na colaboração e gestão social de acervos digitais no Laboratório de Políticas Públicas Participativas -L3P.

Orientador

  • Ravi Passos

    Possui doutorado em Design pela Universidade de Aveiro - UA, mestrado em Design pela Universidade Anhembi Morumbi - UAM, especialização em Arte, Educação e Tecnologias Contemporâneas pela Universidade de Brasília - UnB e graduação em Desenho Industrial, com habilitação em Programação Visual, pela UnB. É Professor no curso de Design Gráfico da Universidade Federal de Goiás - UFG e pesquisador associado ao Media Lab / UFG e ao CPAI / UnB. Tem experiência na área de Design, com ênfase em Design da Informação, atuando principalmente nos seguintes temas: interface interativa, projeto gráfico, identidade visual e metodologia de projeto.

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1. Introdução

O presente artigo tem como propósito apresentar os resultados de uma investigação relativa ao reuso de acervos culturais digitalizados no âmbito das indústrias criativas. Os principais objetivos dessa investigação foram identificar, descrever e evidenciar questões relevantes surgidas a partir de uma experiência que colocou em prova a reusabilidade dos conteúdos culturais de um dos maiores agregadores de acervos culturais digitalizados do mundo. Dessa forma, selecionamos como caso para estudo a experiência do projeto Europeana Creative, executado de 2013 a 2015, que envolveu uma rede de profissionais e instituições representantes dos setores do patrimônio cultural, da tecnologia e das indústrias criativas para desenvolver produtos e serviços a partir dos conteúdos disponibilizados pelo portal Europeana.

Na primeira parte do texto, explicitamos as escolhas metodológicas e os procedimentos realizados na coleta e análise de dados. A segunda parte contextualiza a questão da digitalização dos acervos culturais no âmbito de políticas supranacionais e apresenta pistas de sua importância para as indústrias criativas. A terceira parte apresenta um relato das experiências desenvolvidas no âmbito do projeto selecionado para estudo, descrevendo brevemente os serviços e produtos criativos resultantes. Na discussão de resultados, quarta parte do artigo, apresentaremos e exploraremos algumas questões que emergiram da experiência prática do reuso de acervos culturais.

2. Procedimentos metodológicos

O presente artigo é resultado de um processo de pesquisa de abordagem qualitativa, de natureza exploratória, e utilizou como estratégia de pesquisa o estudo de caso. Para a realização do presente trabalho optou-se pela pesquisa documental e bibliográfica, adotando os procedimentos descritos abaixo.

Em um primeiro momento, no intuito de adquirir uma compreensão mais ampla que envolve a temática de estudo, foram realizadas buscas em bases científicas especializadas em literatura científica, como o Portal de Periódicos da Capes, a Brapci e o Google Acadêmico, além de pesquisas em ferramentas de buscas não especializadas como o Google. Para a realização dessas buscas, e para encontrar resultados pertinentes às temáticas centrais do presente artigo, utilizamos os termos “acervos digitais”, “conteúdo cultural digitalizado”, “reuso”, “indústrias criativas”.

Os descritores e suas variantes foram utilizados tanto sozinhos quanto combinados, nos idiomas português, inglês e espanhol. Com base na consulta e análise de documentos, sites, blogs, pesquisas e trabalhos científicos que resultaram dessas buscas, foi possível ter uma visão panorâmica da produção referente à temática “acervos culturais digitais e sua utilização pelas indústrias criativas” disponível e acessível pela internet. Essa visão panorâmica nos ajudou a identificar e selecionar o projeto Europeana Creative como objeto de atenção desse estudo. Vale ressaltar que ao realizar as buscas pela bibliografia sobre o tema, constatamos que a produção em português sobre o assunto é quase inexistente, não fosse pelos trabalhos de Luiz Fernando Sayão.

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Em um segundo momento, identificado o objeto para estudo, fomos em busca da documentação do projeto, que se encontra disponível no site da Europeana. Foi realizada a consulta e análise da documentação disponível a fim de entender como o projeto foi construído e quais foram seus resultados, dessa forma identificamos os documentos pertinentes para serem utilizados no escopo do presente estudo. Essa visão panorâmica nos permitiu identificar o presente alvo de investigação, o projeto Europeana Creative. Além de ser um projeto vinculado a uma das iniciativas mais relevantes do mundo em termos de agregação e disponibilização de acervos culturais digitais provenientes de instituições guardiãs de bens culturais de toda a Europa, esse projeto foi escolhido para análise por considerarmos que ele representa um esforço gerador ao levar para o campo da experimentação e da prática – de forma sistemática, documentada e passível de investigação – uma ideia comumente apresentada no campo da teorização e do discurso político: a utilização de acervos culturais digitalizados como recurso no âmbito das indústrias criativas.

3. A digitalização dos acervos culturais e seu reuso no âmbito das indústrias criativas

No mundo contemporâneo, as tecnologias de comunicação e informação parecem ocupar um papel de protagonismo nos mecanismos de desenvolvimento econômico, social e cultural. Em resposta aos desafios desse cenário, as instituições guardiãs dos acervos culturais adotaram – ou estão em processo de adoção – de tecnologias digitais em seus procedimentos e processos de preservação, representação, organização, pesquisa e comunicação tanto das informações referentes ao seu acervo quanto às informações geradas a partir de seus processos internos. Dessa forma, instituições culturais como museus, bibliotecas, arquivos e galerias em todo o mundo empreendem em projetos de digitalização de acervos que estão em diferentes etapas de execução.

A digitalização dos acervos culturais não se trata apenas de uma questão interna e relativa aos gestores dos acervos e das instituições guardiãs, mas sobretudo de uma questão política que ocupa espaço no âmbito de diversos organismos nacionais e supranacionais. No continente europeu, no âmbito das políticas supranacionais, a digitalização dos acervos culturais é considerada uma ação estratégica dentro do planejamento de uma Agenda Digital da Europa.

A Agenda Digital para a Europa visa otimizar os benefícios das tecnologias da informação em termos de crescimento econômico, criação de empregos e qualidade de vida para os cidadãos europeus, no âmbito da estratégia Europa 2020. A digitalização e a preservação da memória cultural da Europa, que inclui publicações (livros, diários e jornais), fotografias, objetos de museus, documentos de arquivos, material sonoro e audiovisual, monumentos e sítios arqueológicos (a seguir denominado ‘material cultural’) é um dos principais domínios abordados pela Agenda Digital. (EUROPEAN COMMISSION, 2011, p.1)

No cenário pan-europeu, um dos serviços mais expressivos, que reúne e agrega informações de conteúdos culturais digitalizados de instituições por toda a Europa colocando-as em rede é a Europeana . Esse serviço agrega dados de diversos tipos de conteúdo cultural oriundos de acervos digitais de museus, arquivos, bibliotecas, instituições de audiovisual etc. Sua plataforma online disponibiliza um mecanismo de busca integrado que permite consultar acervos de suas diversas instituições parceiras. Atualmente esse serviço conta com aproximadamente 54 milhões de itens provenientes de mais de 3.700 instituições culturais europeias. Nesse sentido, o plano de negócios da Europeana identifica três públicos beneficiários principais de seus serviços: o usuário comum, os profissionais do patrimônio cultural e as indústrias criativas.

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Segundo o relatório intitulado The New Renaissance (EU, 2011, p. 26), a Europeana ocupa um espaço central “na estratégia de colocar online o património cultural europeu e torná-lo disponível para o trabalho, educação ou lazer”. Esse mesmo documento diz que, apesar do processo de digitalização representar um investimento considerável, deve-se ter em vista as oportunidades econômicas que ele deflagra. Entre essas oportunidades o documento observa que

O conteúdo cultural digitalizado pode ser um importante material bruto para serviços e produtos em áreas como o turismo, educação e novas tecnologias. Em um ambiente em que o mercado de aplicações móveis está crescendo rapidamente [...] o material cultural amplamente disponível será um ativo fundamental para novos serviços. (EU, 2011, p. 40)

Entretanto, para que os recursos informacionais gerados nos processos de digitalização dos acervos culturais possam ser utilizados como ativos na criação de novos produtos e serviços, há uma gama de processos, procedimentos e práticas a serem observadas nas diversas etapas de produção desses recursos. Para acessar esses aspectos, é necessário entender os significados do termo reuso nesse contexto. O reuso incluiria “processos de agregação em base de dados, parâmetros em simulação e combinação de dados de diferentes fontes gerando novos insights” (2014, p.82). Segundo Sayão (2016), o conceito reuso encontra-se mais elaborado no âmbito da gestão de dados digitais de pesquisa científica, principalmente no que tange a preservação e curadoria digital e compartilhamento de dados de pesquisa

O conceito reuso é aplicado intensamente no domínio da pesquisa científica, onde dados e outros materiais são submetidos a outros olhares, analisados em contextos e disciplinas diferentes para os quais originalmente foram gerados, fomentando a pesquisa interdisciplinar e o compartilhamento da informação e conhecimento. Seus pressupostos podem ser aplicados às coleções digitais das instituições de cultura e patrimônio. (SAYÃO, 2016, p.53)

A partir do momento em que os objetos culturais são digitalizados, abre-se a possibilidade de utilizá-los de diversas formas, em diferentes contextos, não somente para o acesso ou pesquisa, mas também como insumo para as indústrias criativas. Nesse sentido, o projeto Europeana Creative teve como finalidade tornar possível o reuso dos recursos do patrimônio cultural pelas indústrias criativas e promover boas práticas. Coordenado pela Austrian National Library e cofinanciado pela União Européia, o projeto teve início em fevereiro de 2013 e foi finalizado em julho de 2015. Contou com 26 parceiros colaboradores de 14 países europeus. Entre as instituições parceiras e colaboradoras estão instituições guardiãs de acervos culturais, organizações e hubs da indústria criativa, agentes dos setores do turismo e da educação, os living labs, desenvolvedores de softwares, especialistas multimídia e em negócios, e agentes que fomentam políticas públicas.

4. O desenvolvimento de projetos-piloto no âmbito do Europeana Creative

Uma das entregas esperadas do projeto Europeana Creative foi o desenvolvimento de pilotos de produtos ou serviços criativos inovadores. Para selecionar as ideias a serem incubadas pelo projeto, entre os anos de 2014 e 2015, foram realizadas chamadas para eventos denominados Open Innovation Challenges. Segundo o regulamento (EC, 2014b), poderiam participar desses desafios qualquer organização privada, pública ou sem fins lucrativos, ou qualquer pessoa legalmente registrada em um dos 28 países membros da União Europeia. Nesse contexto, desenvolvedores e empreendedores criativos de todo o continente foram convidados a submeter ideias de negócios para aplicativos ou games com foco em quatro setores: educação, redes sociais, turismo e design.

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As propostas inscritas foram submetidas a avaliações conforme critérios de inovação, potencial de marketing, impacto social, viabilidade financeira, econômica, tecnológica e logística. As melhores ideias foram convidadas a apresentar um pitch de seus protótipos nos eventos Final Open Innovation, e os vencedores foram incubados no âmbito do projeto Europeana Creative, recebendo suporte e apoio de parceiros do consórcio e suas redes.

O programa de incubação incluiu consultorias especializadas em empreendimentos e negócios; suporte técnico para garantir o aperfeiçoamento dos produtos em diferentes estágios de seu desenvolvimento; apoio na promoção e nas ações de marketing do produto, guias e orientações práticas em relação ao acesso a financiamento. Os protótipos selecionados para serem projetos-piloto no programa de incubação do projeto Europeana Creative tiveram como resultado produtos/serviços que serão apresentados a seguir.

Na categoria ‘educação histórica’, o projeto-piloto desenvolvido apresenta como proposta o aprimoramento do website Historiana. A ferramenta idealizada para esse piloto tinha como princípio estimular o pensamento histórico ao ajudar os estudantes a realizar a análise crítica de fontes visuais permitindo anotações de observações e pistas na imagem. Dessa forma, o projeto visava estimular a reutilização do conteúdo do patrimônio cultural, principalmente os disponibilizados pela Europeana, por educadores de história e seus estudantes.

Com essa ferramenta, estudantes são chamados a fazer suas próprias anotações na fonte visual e identificar as pistas que os ajude a responder as perguntas de seus educadores. A ferramenta encoraja os estudantes a analisar criticamente as fontes visuais como um historiador. (EC, 2014c, p.16)

O piloto desenvolvido na categoria ‘história natural’ teve como objetivo principal o desenvolvimento de um serious game de aventura intitulado The Secret Legacy. Essa aplicação teria como propósito dar visibilidade e acesso aos objetos culturais que fazem parte de acervos e/ou coleções não acessíveis ao público em geral. Por meio da aplicação, que gera uma representação digital dos artefatos, cria-se uma experiência acessível que pode ser reutilizada em diferentes contextos.

A tarefa principal desse piloto é apresentar os conteúdos de coleções de história natural [...] em um modo atrativo e interativo a fim de destacar seus aspectos educacionais. A digitalização das coleções de história natural não serve somente aos arquivos ou a propósitos acadêmicos e científicos, mas também a publicações em portais como a Europeana. (EC, 2014d: 15)

Na categoria ‘turismo’, o piloto selecionado para desenvolvimento foi um serviço chamado VanGO Yourself, um serviço desenhado para ser utilizado na promoção de locais turísticos e eventos específicos, podendo ser utilizado por guias e agências de turismo como também por instituições culturais.

VanGoYourself é um modo, genuinamente diferente e surpreendentemente denso, de convidar os visitantes a se envolverem com o patrimônio cultural, tendo como base a emoção, a diversão e a curiosidade: recriar uma pintura ou fotografia digital com seus amigos e depois fazer upload e compartilhar sua fotografia, ao lado da original, para que outras pessoas possam ver. (EC, 2015b, p.14)

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O piloto desenvolvido no âmbito da categoria ‘redes sociais’, teve como propósito possibilitar o acesso, navegação e compartilhamento de sons por comunidades de interesse, e dessa forma tornar coleções sonoras nacionais acessíveis e navegáveis para o público em geral, por meio de ferramentas de mapeamento. Para dar início aos pilotos, os seguintes temas de sons foram escolhidos para exploração: “vida de pássaros”, “paisagens sonoras” e “aviação”.

O piloto Redes Sociais, denominado Sound Connections, criou ferramentas e experiências simples e flexíveis que permitiram à equipe do piloto aprender, o máximo possível, sobre a relação entre redes sociais e o conteúdo do Europeana. As comunidades de interesse foram convidadas a enriquecer conjuntos sonoros específicos de diferentes maneiras. (EC, 2015c, p.5)

Na categoria ‘design’, o piloto desenvolvido apresentou dois resultados: uma ferramenta de busca e uma instalação interativa para espaços físicos. A ferramenta de busca seria direcionada aos designers, para auxiliar em pesquisas por conteúdo cultural digital que pudesse servir de inspiração ou ser utilizado em trabalhos e projetos.

A ideia básica por trás da ferramenta de busca de similaridade digital Culture Cam é criar uma ferramenta que torna fácil e intuitivo para designers e artistas navegarem na Europeana. Se trata de uma ferramenta de similaridade digital, em tempo real, que reconhece cor, formas ou padrões por meio de uma web cam. Um usuário “escaneia” um objeto na frente de uma webcam de computador, e a Culture Cam captura, analisa a imagem do dado objeto, e devolve resultados de uma busca com cor, forma e padrões similares diretamente da Europeana. (EC, 2015d, p.20)

A instalação física teria como objetivo promover uma experiência imersiva e utilizaria os mesmos princípios que a ferramenta online. Com a ajuda de sensores e um projetor, a instalação possibilitaria a interação dos indivíduos (mais especificamente de suas vestimentas) com a ferramenta de busca– dessa forma, as imagens resultantes da interação seriam projetadas em uma parede para que outras pessoas pudessem assistir.

5. Discussão dos resultados

A análise do processo de desenvolvimento de produtos e serviços no âmbito da Europeana Creative nos ajudou a identificar pontos que merecem atenção, destacados a seguir.

Estar disponível não significa estar acessível. Disponibilizar objetos culturais digitais para consulta por meio de sistemas online não significa apresenta-los de maneira acessível. A carência de metadados, um sistema de busca ineficiente e uma interface confusa podem acarretar na dificuldade de encontrar um item, principalmente para propósitos muito específicos.

A interface do portal Europeana não funciona de uma forma intuitiva o suficiente que facilite aos parceiros da indústria criativa que encontrem o que procuram. Encontrar o tipo de conteúdo certo é complicado devido a uma qualidade de metadados insuficiente na maioria dos casos. Ao menos, não é sempre claro como buscar e em quais campos de dos buscar por quais informações para vir a tona o conteúdo requerido. (EC, 2014e, p. 53)

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O projeto piloto Culture Cam ilustra bem esse ponto – tanto que a solução de busca por cores desenvolvida no piloto acabou por ser incorporada à interface de buscas no portal de coleções da Europeana.

Estar acessível não significa estar disponível para reuso. A disponibilidade para o reuso acaba recaindo sobre três pontos principais: o copyright, a qualidade do conteúdo digital e as possibilidades técnicas.

Nem tudo disponível na Europeana está sob licenças abertas e com links direto. E também a qualidade do conteúdo não é alta o suficiente para permitir o re-uso. Com relação às imagens, a resolução é muito baixa, marcas-d’água são muito comuns e as vezes até pinturas coloridas são transformadas em escalas de cinza. (EC, 2014e, p. 35)

Os arranjos técnicos por meio dos quais são disponibilizados os conteúdos culturais digitais devem apresentar soluções de exportação não somente das imagens dos objetos digitalizados mas também de seus metadados, o que requer a adoção de padrões interoperáveis e interfaces de interação entre aplicações.

Em relação à qualidade do conteúdo disponível, em certos cenários de reuso, é importante que o objeto cultural possua metadados enriquecidos de informações – além dos metadados padrões dos procedimentos de arquivamento e catalogação – o que torna necessário um trabalho de curadoria por parte da instituição provedora do conteúdo. Outro ponto em relação à qualidade do conteúdo para reuso é o formato dos arquivos e a resolução das imagens. Dependendo das configurações, embora o copyright permita seu reuso, se a imagem não apresenta qualidade suficiente para tal, não há como ser reaproveitada.

Outro ponto importante e sensível, também suscitado pelas experiências do projeto Europeana Creative, é a questão da declaração de direitos – tanto dos metadados quando do objeto digital descrito por eles.

Licenças abertas e informações corretas sobre os direitos são críticas para os parceiros das indústrias criativas saberem o que eles tem possibilidade de fazer com o conteúdo. Às vezes é difícil encontrar conteúdos com licença aberta na Europeana. Entretanto, essa informação não é sempre confiável. Informações contraditória sobre diretos não são exceção, há declaração de direitos que do lado do provedor de dados está diferente do que é dito na Europeana. Em alguns casos, informações de direitos não muito claros são providos com os metadados, quando a informação em dc:rights não é um indicador claro das possibilidades de uso. Parceiros das indústrias criativas tendem a ser muito cuidadosos e não usar nenhum conteúdo no caso de dúvidas do que é possível sem infringir o copyright. (EC, 2014e, p. 36)

Essas constatações levaram à revisão do framework de licenças da Europeana, resultando posteriormente na busca de padrão e clareza na forma como os direitos dos conteúdos são declarados.

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Ao colocar em teste a reusabilidade do conteúdo cultural no contexto produtivo das indústrias criativas, o projeto Europeana Creative acabou por diagnosticar pontos de fragilidade tanto na forma como o portal Europeana orientava e preparava seu conteúdo para o reuso, quanto na forma como o conteúdo era rastreável por meio do sistema de busca. Além dessas constatações resultarem em aprimoramentos de seus processos, algumas das inovações e soluções tecnológicas propostas e desenvolvidas no âmbito dos projetos-piloto foram incorporadas ao core da Europeana.

6. Conclusão

O presente artigo teve como objetivos investigar, identificar, discutir e relatar experiências práticas de reuso de acervos culturais digitalizados no âmbito das indústrias criativas. Como objeto de investigação, selecionamos o projeto Europeana Creative por considerarmos uma experiência relevante e representativa no contexto das práticas que envolvem o reuso de conteúdo cultural digitalizado como recurso para as indústrias criativas. Os resultados alcançados pelo projeto só foram possíveis mediante a colaboração em rede entre profissionais das indústrias criativas e do patrimônio cultural, assim como a troca de ideias e experiências entre os setores, configurando-se em um grande laboratório de experiências práticas de reuso.

A leitura e análise da documentação referente ao projeto Europeana Creative nos permitiu acessar, compreender e trazer à tona pontos relevantes no que diz respeito tanto ao reuso de conteúdos culturais digitalizados quanto à disponibilização dos mesmos com o objetivo de atender as necessidades dos diferentes propósitos de reuso. Entre esses pontos estão questões que envolvem tanto decisões tomadas no processo de digitalização do material analógico quanto de sua disponibilização.

Os resultados encontrados demonstram que não basta que os objetos digitais estejam disponíveis para o reuso, eles também devem se encontrar acessíveis, apresentar metadados e formatos de qualidade, e também indicar de forma clara as condições do copyright. Acreditamos que os resultados apresentados nesse artigo trazem contribuições importantes aos interessados em empreender em projetos de digitalização de acervos culturais ou de reuso dos conteúdos culturais digitalizados, tanto no âmbito das indústrias criativas quanto no domínio educacional e científico.

Referências

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Esse serviço tem origem em um projeto da Comissão Europeia que fomentou sua concepção e desenvolvimento e hoje é liderado pela instituição criada para assegurar a continuidade do serviço, a Europeana Foundation, cuja missão é permitir que as instituições guardiãs da herança cultural tornem seus acervos acessíveis e disponíveis para o reuso.

Site da Europeana Collections: https://www.europeana.eu/portal/en. Acesso em 12 de jan. 2018.

Por meio do ICT Policy Support Programme como parte da Competitiveness and Innovation Framework Programme (CIP).