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O Olhar Crítico de uma Escola Pública do Distrito Federal Sobre a Capoeira: Patrimônio Cultural Imaterial

A intenção dessa ação de intervenção foi fazer com que os alunos do Ensino Médio do Centro Educacional 06, escola pública de Ceilândia-DF conhecessem a cultura da capoeira e sua importância para pessoas que deixam o seu legado, tendo como objetivo promover um debate acerca do desenvolvimento cultural dos alunos, disseminar a cultura da capoeira para que todos possam conhecê-la e, além disso, saibam entender a importância de tê-la como Patrimônio Cultural Brasileiro e Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, transmitida de geração em geração pelas comunidades brasileiras. Participaram da ação interventiva 88 alunos de três turmas do primeiro ano do ensino médio, de ambos os sexos, na faixa etária de 14 a 16 anos. Os resultados encontrados nesse estudo permitem concluir que a maioria dos alunos entre 14 e 16 anos de idade do ensino médio não está absorvendo o que tem de muito valioso em seu país: a cultura e seu patrimônio. Desconhecem a capoeira e perdem a oportunidade de fazer parte de um processo de valorização de sua cultura quando sinalizam que não gostariam de abordá-la como conteúdo curricular porque não é importante.

Palavras-Chave: capoeira, patrimônio cultural, patrimônio imaterial, educação.

Aluna: Lindnalva dos Santos Lopes Araújo

Polo: Águas Lindas

Orientadora Acadêmica: Rosaura de Oliveira Vargas das Virgens

Coordenadora de orientação: Vânia Dolores Estevam de Oliveira

Anexos

Imagem 1: Gráfico - Ouviram falar em capoeira
Fonte: Produzido pela aluna.
Imagem 2: Gráfico - Local que ouviram falar sobre capoeira
Fonte: Produzido pela aluna.
Imagem 3: Gráfico - Significado da capoeira
Imagem 4: Gráfico - Após Explanação - Significado da capoeira
Imagem 5: Gráfico - Presenciaram a capoeira
Imagem 6: Gráfico - Participaram de uma aula experimental
Imagem 7: Gráfico - Do que gostam em capoeira
Imagem 8: Gráfico - Após explanação - Do que gostam em capoeira
Imagem 9: Gráfico - Ouviram falar da sigla IPHAN
Imagem 10: Gráfico - Acertaram o significado da sigla IPHAN
Imagem 11: Gráfico - Após explanação - Acertaram o significado da sigla IPHAN
Imagem 12: Gráfico - Sabem a Missão do IPHAN
Imagem 13: Gráfico - Após explanação - Sabem a Missão do Iphan
Imagem 14: Gráfico - Ouviram falar em patrimônio cultural
Imagem 15: Gráfico - Local em que ouviram falar sobre patrimônio cultural
Imagem 16: Gráfico - Acertaram termos associados a patrimônio cultural
Imagem 17: Gráfico - Após explanação - Patrimônio Cultural
Imagem 18: Gráfico - Ouviram falar em patrimônio imaterial
Imagem 19: Gráfico - Após explanação - Conceito de Patrimônio Imaterial
Imagem 20: Gráfico - Ouviram falar em patrimônio material
Imagem 21: Gráfico - Após explanação - Conceito de Patrimônio Material
Imagem 22: Gráfico - Após explanação - Patrimônio Material e Imaterial
Imagem 23: Gráfico- Disciplinas abordam a capoeira
Imagem 24: Gráfico -Após explanação-Gostaria da capoeira no conteúdo curricular
Imagem 25: Gráfico - Após explanação-Importância da capoeira como conteúdo
Imagem 26: Gráfico - As disciplinas abordam
Imagem 27: Gráfico - Após explanação-A pesquisa despertou curiosidade
Imagem 28: Gráfico - Após explanação - Disseminaria a capoeira
Imagem 29: Gráfico - Após explanação-Antes da pesquisa sobre capoeira
Imagem 30: Gráfico - Após explanação - Após a pesquisa sobre capoeira
Imagem 31: Gráfico - Após explanação - Gostaram do que viram
Imagem 32: Explanação do tema
Imagem 33: Explanação do tema
Imagem 34: Explanação do tema
Imagem 35: Explanação do tema
Imagem 36: Explanação do tema
Imagem 37: Explicação sobre o momento da Roda de capoeira
Imagem 38: Início da Roda de capoeira
Imagem 39: Roda de capoeira
Imagem 40: Maculelê
Imagem 41: Divulgação do grupo
Imagem 42: Finalização dos trabalhos
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1. INTRODUÇÃO

Essa intervenção teve como objetivo fazer com que os alunos do Ensino Médio da escola Centro Educacional 06 de Ceilândia-DF conhecessem e reconhecessem a Capoeira como patrimônio cultural, identidade do povo brasileiro e sua importância para as pessoas que deixaram esse legado. Reconhecida nacionalmente como Patrimônio Cultural Brasileiro desde julho de 2008 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e mundialmente como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela  a capoeira vem fazendo um caminho de geração em geração promovendo a valorização da cultura negra. Trazer essas informações à tona foi uma maneira de despertar nesses alunos a curiosidade por uma arte que atualmente não tem fronteiras, louvada em vários países, não por acaso.

O Registro do Modo da Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira, respectivamente inscritos nos Livros de Registros das Formas de Expressão e dos Saberes, foram iniciativas importantes para que a sociedade pudesse conhecer e dar continuidade ao que nossos ancestrais nos deixaram de mais valioso em expressões e saberes, passando de geração em geração. O IPHAN é o órgão responsável por preservar nossa história, a partir do reconhecimento do patrimônio de um país. Por isso, esse instituto cita que

“o patrimônio imaterial brasileiro é composto por aqueles bens que contribuíram para a formação da sociedade brasileira. O compromisso do Estado brasileiro para com sua preservação, reconhecimento e valorização decorre do Registro de um bem imaterial, previsto no Decreto nº 3.551/2000” (IPHAN, 2014).

Conhecer para preservar: esse é o ponto de partida para que uma sociedade possa se reconhecer dentro de um processo de valorização de sua cultura. A história de um país se faz também com arte, saberes e expressões, e o registro de cada uma dessas coisas é necessário porque contempla e abarca o fluxo de saberes, a manifestação artística e a identidade cultural de uma sociedade.

a Roda de Capoeira e o Ofício dos MestrOrganização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em novembro de 2014, es de Capoeira foram reconhecidos como patrimônio cultural brasileiro por meio da inscrição no Livro de Registro das Formas de Expressão e no Livro de Registro dos Saberes do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 21 de outubro de 2008, conforme decisão proferida na 57ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, realizada no dia 15 de julho de 2008.(IPHAN, 2014),

O ensino e a prática da capoeira estão presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) tanto na disciplina de Educação Física — que a sugere em seu bloco de conteúdos destinado a esportes, jogos, lutas e ginástica —, como conteúdo possível da Educação Física Escolar. A capoeira também está presente em temas transversais como pluralidade cultural e em temas interdisciplinares. O instigante é poder utilizar todas essas facetas, onde a prática constitui um novo instrumento pedagógico para a formação global do aluno.

Em disciplinas como História, Geografia e Sociologia, o tema aborda características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertencimento ao País. Além disso, o esporte estimula o conhecimento e avalorização da pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, crenças, sexo, etnia ou outras características individuais e sociais.

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Temas transversais devem ser incorporados nas áreas existentes e no trabalho educativo da escola, e sua inclusão implica a necessidade de um trabalho sistemático e contínuo no decorrer de toda a escolaridade, o que possibilitará um tratamento cada vez mais aprofundado das questões eleitas (PCN’s, 1997). Esse trabalho contínuo é importante porque o aluno vai contextualizando o assunto ao longo de sua trajetória estudantil e tirando suas próprias conclusões acerca do tema, tornando-se, assim, um cidadão crítico. Segundo Zétola e Seixas,

“a capoeira tem sua origem ligada aos negros escravos que foram trazidos ao Brasil e que forjaram, a partir do século XVI, várias manifestações em solo brasileiro: o candomblé, o samba, a congada, o maracatu, entre outras. A capoeira destaca-se das demais devido à sua grande expansão nos últimos anos, alcançando países nos cinco continentes do mundo. Essa manifestação pode ser considerada como um misto de luta, dança, brincadeira, teatralização, jogo.” (Zétola e Seixas,2007),

Essa afirmação pode ser considerada a mais convincente, tendo em vista vários estudos sobre a origem da capoeira em nosso país, sua documentação escrita e relatos de quem viveu e vive esse universo, principalmente em cidades como Rio de Janeiro, Salvador e Recife, que receberam um grande número de escravos.

É bem verdade que a capoeira teve sua imagem construída de diversas maneiras: despertava curiosidade, causava impressões, ora para o lado positivo como linda e bela, ora para o lado negativo, como violenta ou de caráter duvidoso. Mas o que ninguém podia negar é que era muito bem representada em todas as suas facetas, que incluíam luta, esporte, dança ou jogo. De acordo com o Inventário para Registro e Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil,

“a capoeira foi duramente perseguida, seus praticantes eram conhecidos por desafiarem a ordem policial, hostilizarem a população, provocarem brigas e correrias, marcadas por cabeçadas, rasteiras e navalhadas com outros capoeiras, trabalhadores, desordeiros, mas é importante ressaltar que a capoeira se manifestava de diversas formas como um tipo de divertimento popular, uma brincadeira, e tinha muitos significados e não apenas como arma de conflito, como em geral era descrita nos jornais” (BRASIL, 2007).

Nesse aspecto, seja qual for seu significado — luta, dança, jogo, esporte ou teatro —, ganha uma relevância indiscutível.

Antes da proclamação da República, em 1889, os escravos capoeiras ganharam prestígio devido à sua participação na Guerra do Paraguai, entre 1864 e 1870. Com isso, o esporte alcançou diversas classes sociais na época colonial, tendo sido praticado não apenas por escravos, mas também por homens livres pobres e ricos, além dos europeus que viviam na capital do Império. As rodas de capoeira eram freqüentadam por intelectuais, profissionais liberais e políticos com prestígio à época colonial(BRASIL, 2007). Mesmo assim, a capoeira foi enquadrada no artigo 402 do Código Penal Brasileiro como prática criminosa em 1890, após o fim da escravidão e o início da República,  — tudo para tirar dos escravos o direito à sua maior conquista: a liberdade.

Em seus argumentos, Mello (2008) enfatiza que a capoeira sofreu sua maior transformação na década de 30. Com toda a movimentação política da época para a legitimação do Estado perante a população, Getulio Vargas passa a interferir diretamente na educação e na cultura do país, objetivando a formação de uma identidade nacional, fazendo um resgate cultural e ao mesmo tempo projetando uma imagem moderna para o país.

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Em seus estudos, Oliveira (2009) salienta que em 1937 a capoeira transformou-se em esporte, com a organização de academias para o seu ensino, deixando de ser considerada entrave para o desenvolvimento da nação e passando a ocupar o lugar de “ginástica nacional” ou “esporte brasileiro”. Imagina um povo, com toda a sua luta, na busca pelo seu ideal vendo todas essas transformações em torno da capoeira; algo que parecia distante, tornou-se real, destaca o autor..

Esse projeto se justifica pelo fato da capoeira fazer parte da história desse país, seja como manifestação cultural, identidade ou patrimônio e da necessidade de se conhecer as facetas de uma arte que foi marginalizada, excluída, discriminalizada e perseguida no século XIX. Também temos por fim valorizar ahistória dessa prática, evidenciando sua influência  em nossa sociedade através de uma abordagem pedagógica nas escolas de ensino médio. Pretende-se também evidenciar o que preconiza o Projeto de Lei do Senado nº 17 de 2014, que permite o ensino de capoeira nas escolas, contribuindo para a desmistificação da ideia de que a capoeira é violenta e de que quem a pratica é considerado marginal.

Sendo assim, a ação interventiva possibilita um leque de situações em que o aluno pode ver e sentir os benefícios que o estudo da capoeira pode trazer à construção de conhecimentos interdisciplinares. O objetivo é promover um debate acerca do desenvolvimento cultural dos alunos, fomentar no aluno o sentido de pertencimento a uma cultura, estimular e propiciar o resgate da cultura afro-brasileira   através de sua         valorização,   incentivar       a interdisciplinaridade reconhecendo o caráter educacional e formativo da capoeira em suas manifestações culturais, favorecer e enriquecer a cultura popular brasileira e, por fim, disseminar a cultura da capoeira para que todos possam conhecê-la. Espera-se que os alunos possam entender a importância de ter a capoeira como Patrimônio Cultural Brasileiro e Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, transmitida de geração em geração pelas comunidades brasileiras. Enfim, que os alunos tenham realmente um olhar crítico sobre a capoeira e sua história.

DESENVOLVIMENTO

Vários autores tentaram definir a capoeira, algo difícil e ao mesmo tempo prazeroso, já que os inúmeros significados têm dimensões poéticas e práticas. O IPHAN, no Inventário para Registro e Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil,define que

“a capoeira é uma manifestação cultural que se caracteriza por sua multidimensionalidade – é ao mesmo tempo dança, luta e jogo. Dessa forma, mantém ligações com práticas de sociedades tradicionais, nas quais não havia a separação das habilidades nas suas celebrações, característica inerente à sociedade moderna. Ainda que alguns praticantes priorizem ora sua face cultural, seus aspectos musicais e rituais, ora sua face esportiva, a luta e a ginástica corporal, a dimensão múltipla não é deixada de lado. Em todas as práticas atuais de capoeira, permanecem coexistindo a orquestração musical, a dança, os golpes, o jogo, embora o enfoque dado se diferencie de acordo com a singularidade de cada vertente, mestre ou grupo.” (IPHAN, 2007.p 11)

Carneiro (1975), de maneira sucinta define a capoeira como

“um jogo de  destreza que tem as suas origens remotas em Angola. Era antes uma forma de luta, muito valiosa na defesa da liberdade de fato ou de direito do negro liberto, mas tanto a repressão policial quanto as novas condições sociais fizeram com que, há cerca de cinqüenta anos, se tornasse finalmente um jogo, uma vadiação entre amigos.”

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O mesmo autor, “acredita que capoeira venha de capoeira mato. Do negro que fugia. E não só do negro, mas também do recruta e do desertor do exército e da armada, que procurava fugir das autoridades policiais, empenhadas em agarrá-los.”

Já o IPHAN, em seus registros enfatiza que,

“as origens da capoeira remetem basicamente a três mitos fundadores: a capoeira nasceu na África Central e foi trazida intacta por africanos e escravizados; a capoeira é criação de escravos quilombolas no Brasil; a capoeira é criação dos índios, daí a origem do vocábulo que nomeia o jogo. As três hipóteses geram questões ainda não resolvidas.” (IPHAN, 2014).

Conceito, significado ou menção à capoeira é uma discussão interminável. Segundo SILVA, (2002 apud NATIVIDADE, 2004) as respostas tendem para o lado brasileiro, pela documentação editada em 1595 pelo padre José de Anchieta, relatando que "índios tupi-guaranis divertiam-se jogando Capoeira". E como se já não bastasse, a própria palavra Capoeira (Caa-puéra), é um vocábulo tupi-guarani que significa “mato ralo” ou “mato que foi cortado, extinto”.

A primeira vez que se ouviu falar de capoeira foi nas invasões holandesas, quando negros e índios (as duas vitimas da colonização), aproveitando a confusão gerada, fugiram para as matas. Alguns foram capturados, mas os que conseguiram escapar se refugiavam em quilombos. O mais famoso deles foi o Quilombo de Palmares, situado na serra da Barriga, atual estado de Alagoas, tendo como rei o lendário Zumbi (SILVA, 2002 apud NATIVIDADE, 2004).

São muitas as discussões em torno desse assunto: os praticantes de capoeira contribuíram e saíram vitoriosos em muitos episódios históricos para o país, como guerras, e ainda assim, não se deu o devido valor a eles. Aprova disso foi a citação desses praticantes no decreto 487 do Código Penal Brasileiro, que no seu capitulo XIII, art. 402, “dos vadios e capoeiras” instituía:

Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal, conhecido pela denominação de capoeiragem (andar em correrias, com armas, andar com instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoas certas ou incertas, ou incutindo temor ou algum mal). Pena: Prisão celular de dois a seis meses. (Código Penal in: Silva, 2002 apud Natividade, 2004, p 5).

A capoeira passou por muitos momentos difíceis, como discriminação e falta de reconhecimento ou conhecimento. Mesmo assim, sempre houve pessoas que lutaram por dias melhores dentro desse cenário de injustiça, conseguindo enfim um lugar merecido dentro da sociedade, o que pode ser confirmado no Inventário para Registro e Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil:

Após esse período conturbado, a capoeira pode enfim, ser reconhecida, graças a um baiano “arretado” de codinome Mestre Bimba e o período denominado “anos 30” foi eleito pela literatura sobre a capoeira baiana como divisor da sua história. O destaque dado a essa época está associado à invenção da capoeira regional por Mestre Bimba, a partir de 1928, e a sua consolidação nos anos 1930. O surgimento desta capoeira traz implícito outras questões relacionadas à capoeira baiana como um todo, envolvendo desde a sua prática até o seu modo de se relacionar com a sociedade. (IPHAN, 2007.p.37).

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Frederico José de Abreu, em seu livro “Bimba Bamba: a capoeira no ringue”, destaca episódios que possibilitam acompanhar o processo histórico de legitimação e legalização do ensino da capoeira atribuído a Mestre Bimba. De certa forma, Abreu reforça a contribuição pessoal do mestre para os destinos da capoeira moderna, que passa a ser exercida como ofício (IPHAN, 2007.p.39).

Outro contribuinte para a disseminação da capoeira em espaços até então proibidos foi Pastinha. E o IPHAN reconhece seu valor, citando os Mestres de capoeira angola, “o mais importante deles, Pastinha, fundamental para que esta se tornasse visível e ocupasse espaços em que, até então, não havia penetrado”. (IPHAN, 2007.p.41).

Aqui cabe ressaltar que há dois estilos de capoeira: a Angola e a Regional. A angola é um estilo mais lento, na mandinga, no chão, porém perigoso, pois exige muita atenção para se defender de cotoveladas e cabeçadas. A regional é mais rápida, de pé, inclui golpes de boxe e orientais. Segundo o Inventário para Registro e Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil:

Tanto Bimba quanto Pastinha foram os principais responsáveis pela expansão inicial, para outros estados do Brasil, da maneira tradicional baiana de jogar capoeira. Dessa forma, ambos ganham o respeito da sociedade e passam a se relacionar com intelectuais, artistas e políticos da época que vão legitimá-los, não só como mestres de capoeira, mas também como porta-vozes da cultura popular. Na primeira metade do século XX, esses dois mestres se transformam nas principais referências da capoeira da Bahia e estabelecem a base de sustentação da modernização da prática da capoeira. A capoeira passa a ser conhecida nacionalmente, no século XX, a partir da Bahia. (IPHAN, 2007.p.41).

Como se manifesta de diversas formas, da teoria para a prática, a capoeira tem toda uma dinâmica de início, meio e fim em seus rituais e durante todo o percurso de aprendizado. Segundo Zulu,

“a roda constitui-se no momento mais importante das atividades de capoeira, o capoeirista se completa, se sente mais importante. O batismo na capoeira consiste numa cerimônia em que o aluno iniciante, após cumprir um período de treinamento, recebe a primeira corda.” (Zulu,1995)

Após outro período de treino, acontece a troca de corda, normalmente a cada ano. Por volta de oito anos contínuos acontece a formatura. Após esse período, cada grupo terá seu sistema de graduação e cores das cordas, podendo ser instrutor, monitor, professor, contra-mestre e mestre. Não é um caminho simples e rápido, mas seus praticantes consideram totalmente prazeroso conforme descrevem os vários estudiosos do assunto, pois o objetivo é que ao final de seu percurso na capoeira, para se formar Mestre, o aluno tenha no mínimo mais de 25 anos de capoeira.

Também há espaço para manifestações folclóricas como o Maculelê, uma espécie de dança com bastões ou facões; e também a puxada de rede, em homenagem ao pescador e samba de roda, geralmente realizada depois que a roda acaba, para acalmar os ânimos e marcar um encerramento.

Não por acaso, a capoeira desperta interesse por suas origens, técnica e arte.

“Atualmente, a capoeira se encontra presente em mais de 150 países, atraindo praticantes e estudiosos dos cinco continentes do planeta. Assim, este se torna um momento oportuno para que o Estado brasileiro reconheça a capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil” (IPHAN, 2007.p.51).

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A IMPORTÂNCIA DA CAPOEIRA COMO PATRIMÔNIO

Conhecer para preservar, esse é o ponto de partida do IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Através de suas ações e mobilizações, o instituto divulga o trabalho que realiza e a sociedade pode se reconhecer dentro de um processo de valorização de sua cultura, adquirindo condições de exigir políticas públicas voltadas para a conservação da cultura e do patrimônio.

O Brasil apresenta um rico universo cultural que deve ser protegido e preservado. O Patrimônio Cultural é composto pelo conjunto de manifestações materiais e imateriais que o povo brasileiro cria e realiza e que são referências para sua história, identidade e memória. São as criações artísticas, científicas e tecnológicas; os conjuntos urbanos, monumentos e a arquitetura civil, religiosa e militar; os sítios e paisagens de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico; os saberes e fazeres; a diversidade lingüística; a dança, a música, a culinária e as festas populares. (IPHAN, 2015).

O IPHAN promove e coordena o processo de preservação do patrimônio cultural brasileiro e o Estado cria decretos e leis enfatizando esse processo:

Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. (BRASIL, Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937).

§1º - Os bens a que ser refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo. (BRASIL, Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937).

A capoeira é considerada patrimônio imaterial, mas, o que vem a ser essa expressão? O patrimônio imaterial brasileiro é composto por aqueles bens que contribuíram para a formação da sociedade brasileira. O compromisso do Estado brasileiro para com sua preservação, reconhecimento e valorização decorre do Registro de um bem imaterial, previsto no Decreto nº 3.551/2000. (IPHAN, 2014. p11). A história da Capoeira está registrada, fundamentada e catalogada na história de luta de um povo que viu sua arte ser reconhecida mundialmente.

O instrumento legal que assegura a preservação do patrimônio cultural imaterial do Brasil é o registro instituído pelo Iphan. Uma vez registrado o bem, é possível elaborar projetos e políticas públicas que envolvam ações necessárias à preservação e continuidade da manifestação. O presidente do Iphan anunciou a inclusão do ofício dos mestres da capoeira no Livro dos Saberes, além de incluir a roda de capoeira no Livro das Formas de Expressão. A divulgação e implementação dessa atividade em mais de 150 países se deve aos mestres, que tiveram sua habilidade de ensino reconhecida; e à Roda de Capoeira, um dos símbolos do Brasil mais reconhecidos internacionalmente como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. (IPHAN, 2014). Esse reconhecimento é uma conquista e serve de estímulo a novas gerações, que têm a oportunidade de se deleitar com um legado primoroso, que atravessa gerações e compõe e história cultural do Brasil.

Estudos e pesquisas realizados entre 2006 e 2007 deram início a um Inventário que mais tarde culminaria no Dossiê Iphan 12 Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira:

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O desafio do Inventário para Registro e Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil, realizado entre 2006 e 2007, era construir um diálogo entre o tempo histórico passado e o tempo presente. Como patrimônio vivo, a capoeira se mantinha no cenário atual através dos mestres que representavam o saber. Ao mesmo tempo, acumulava produção documental que atravessava os últimos três séculos. Havia a necessidade de reconstituir brevemente a história da capoeira e realizar um registro instantâneo de seu momento presente. (IPHAN, 2014.p 08).

Mas o processo não foi tão simples: houve uma força tarefa envolvendo profissionais gabaritados, com experiência e vivência no mundo da capoeira — ou seja, um trabalho detalhado e minucioso de tudo que já se viu sobre a prática:

Diante destes requisitos, a pesquisa se concentrou em três eixos principais: 1) pesquisa bibliográfica; 2) trabalho de campo; 3) abordagem de temas relacionados à capoeira, como reflexão sobre o aprendizado e a descrição das rodas. A constituição deste dossiê, que pretende justificar a importância da capoeira como bem cultural do Brasil deu-se amparada nestas três linhas de caráter metodológico distinto. Por isso, buscou-se           a formação de uma equipe multidisciplinar que pudesse dar conta dos diversos vetores do projeto. (IPHAN, 2014. p11).

Muito se ouviu falar de capoeira em diversos lugares, mas era preciso partir de um local, percorrer outro e finalizar a sua história, já que ela é contada em todas as regiões do Brasil e internacionalmente. Também era importante definir o recorte territorial da pesquisa. Um imaginário produzido por livros, filmes e telenovelas relacionou a capoeira à escravidão rural, à prática nas senzalas sob o olhar desconfiado do senhor de engenho, mas a capoeiragem fincou raízes nas áreas urbanas.(IPHAN, 2014.p 8).

Nada mais justo do que começar por onde de fato, a capoeira teve seu apogeu:

Diante da amplitude da capoeira como campo, espalhada pelos territórios nacional e internacional, optou-se pela pesquisa nos lugares históricos como ponto de partida para a reconstituição de sua trajetória. Nestes locais, os mestres seriam ouvidos, suas escolas e rodas visitadas e registradas. (IPHAN, 2014.p 9).

De início, as capitais da Bahia e Rio de Janeiro foram delimitadas como campo de pesquisa por serem consideradas os locais históricos mais importantes da capoeira.

No “Plano de Ação” havia uma menção a Pernambuco como um estado que possuía um passado histórico importante referente à capoeira, e que deveria ser de algum modo citado em ocasião oportuna. No entanto, mais do que citar, percebemos a importância de incluir Recife no processo de registro. (IPHAN, 2014.p 9).

Em seguida, o instituto procedeu à escolha dos profissionais envolvidos, a equipe que contextualizava e alinhava a teoria à prática:

Delimitado o território, foram constituídas as equipes, de perfil multidisciplinar, na Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco. Um grupo de profissionais que contemplava as áreas de antropologia, história, psicologia, educação física e artes cênicas. Além da formação das equipes locais, foram realizados, nos três estados, os encontros Capoeira como Patrimônio Imaterial do Brasil.(IPHAN, 2014.p 9).

A discussão foi urgente e necessária, pois abarcou tudo que a capoeira necessita para fazer valer sua importância dentro de uma sociedade:

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Os principais pontos levantados nestes encontros foram: 1) a necessidade de aposentadoria especial para os velhos mestres de capoeira; 2) a importância dos mestres de capoeira como divulgadores da cultura brasileira no cenário internacional, o que torna necessário pensar alternativas para facilitar seu trânsito por outros países; 3) a necessidade de criar mecanismos que facilitariam o ensino da capoeira em espaços públicos; 4) o reconhecimento do ofício e do saber do mestre de capoeira para que ele possa ensinar em escolas e universidades; 5) a criação de um Centro de Referência da Capoeira que centralizasse toda a produção acadêmica sobre capoeira realizada por estudiosos espalhados em diversas disciplinas; 6) um plano de manejo da biriba, madeira usada para confeccionar o berimbau e que pode ser extinta no correr dos anos. (IPHAN, 2014.p 10).

Todas essas ações foram importantes porque deram frutos grandiosos e culminaram em outras ações:

Trata-se de um conjunto de encaminhamentos que baseou as “Recomendações do Plano de Salvaguarda da Capoeira”. Além disso, norteou a indicação de que seria necessário reconhecer como Patrimônio Cultural do Brasil o saber do mestre de capoeira, como ofício, e a roda de capoeira, como forma de expressão. (IPHAN, 2014. p10).

O texto desenvolvido neste dossiê busca reconstituir brevemente a história da capoeira e descrever sua prática, cultura material e rituais. Um arranjo que pretende justificar sua importância como bem cultural, a partir da documentação escrita e dos relatos dos mestres que continuam em atividade. (IPHAN, 2014.p 10).

Toda essa mobilização, catalogação e estudos envolvendo a capoeira é uma prova forte e viva que ela tem potencial para ir além da prática. É  urgente e imprescindível toda essa disseminação desse bem cultur. Assim sendo,

Em 2007, o Ministério das Relações Exteriores teve oportunidade de patrocinar a realização de mais de 50 eventos de capoeira em todos os continentes. Essa expansão da capoeira para outros países tem provocado um interessante processo de fortalecimento e de dinamização de sua prática. Existem, atualmente, diversos mestres estrangeiros que jogam capoeira tão bem quanto os brasileiros. Desse modo, talvez não seja exagero dizer que, embora a capoeira seja uma manifestação cultural originada no Brasil, e carregue, portanto, símbolos inquestionáveis de brasilidade, sua prática já é tão comum em âmbito internacional que se constitui em mais uma contribuição brasileira para o patrimônio cultural da humanidade. (BRASIL, 2007).

CAPOEIRA NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Estudiosos e profissionais da área da educação brasileira entenderam ser urgente e pertinente a criação de algo norteador dentro de cada disciplina curricular e elaboraram uma publicação intitulada PCN‟s - Parâmetros Curriculares Nacionais. O intuito da criação dos PCN‟s não é fazer com que cada professor siga as orientações tal como uma receita de bolo, mas sim fazer adequações de acordo com cada público e localidade, levando-se em consideração o contexto envolvido:

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN‟s) indicam como objetivos que os alunos sejam capazes de conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais como meio para conseguir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao País, conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais. (BRASIL, 1997).

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Sendo assim, a práxis pedagógica é um campo que permite um vasto repertório de experiência no que tange a interdisciplinaridade. E a capoeira é um assunto que pode ser explorado em muitas disciplinas da educação básica, como Educação Física, História, Sociologia, Artes, entre outras.

O ser humano, desde suas origens, produziu cultura. Sua história é uma história de cultura, na medida em que tudo o que faz está inserido num contexto cultural, produzindo e reproduzindo cultura. O conceito de cultura é aqui entendido como produto da sociedade, da coletividade à qual os indivíduos pertencem, antecedendo-os e transcedendo-os. (BRASIL, 2007)

Uma disciplina que contribui bastante para a disseminação da capoeira é a Educação Física, tendo como base seus movimentos:

Cabe apontar que a capoeira como manifestação cultural brasileira também passou a ser valorizada na Educação Física. Isso devido ao desenvolvimento, a partir de 1980, de novos paradigmas relacionados à área de Educação Física. Nesse movimento, é possível apreender novas perspectivas, entre elas aquela que sugere à educação física escolar a abordagem da “Cultura Corporal Brasileira”. Essa proposta parece ser a mais coerente entre as existentes na Educação Física porque compreende a capoeira dentro de seus aspectos históricos e sociais, valorizando sua prática e seu estudo. (BRASIL, 2007.p 108)

No caso da capoeira no campo escolar, não há um exemplo a ser seguido, ou seja, uma aula a ser copiada quando o conteúdo é algo relacionado à capoeira. Cada docente introduz da maneira que achar conveniente para seus alunos, respeitando a individualidade de cada um. Pois “não existe um modelo educacional da capoeira, mas sim diversos modelos que são individualizados. Trata-se de um ensino não ligado a uma instituição educacional formal, mas a uma cultura, a cultura da capoeira angola”.(BRASIL, 2007)

Zétola e Seixas (2007) assinalam que, dentre os benefícios educacionais que a capoeira proporciona, podemos citar:

1) Filosófico: o despertar dos membros para os fundamentos da capoeira.

2) Social: conscientização do grupo como tal, com responsabilidade, deveres e direitos dos associados.

3) Físico: aprendizagem dos movimentos corporais da capoeira dentro de limites físicos e mentais, compatíveis com a experiência e idade.

4) Artístico: aspectos estéticos referentes à música da capoeira, às cantigas e aos toques de berimbau, atabaque, pandeiro e agogô, além da dança e da encenação do jogo.

5) Psicológico: produz relaxamento e estimulação psíquicos, colabora para a melhoria do humor e da auto-estima, ajuda a aliviar a ansiedade e a tensão, reduzindo também os riscos de aparecimento de depressões e do estresse.

Segundo Zulu,

a capoeira é constituída de dimensão educativa, pois propõe contribuir para o educar crítica e criativamente, desenvolvendo a unidade viva indissociável corpo-mente-espírito através do movimento, da instrução e do esquema simbólico do meio, sob a égide do construtivismo. Portanto, possui uma diimensão pedagógica, pois se compõe de métodos e processos adotados para educar e instruir. Além disso, também possui uma dimensão estética, pois exprime a materialização gestual do sentimento e da apreciação do belo expressa pelo estilo do capoeirista.(Zulu, 1995, p.23)

No tocante à cultura, temos uma sociedade contemporânea altamente multicultural e uma abordagem de conteúdos escolares na perspectiva de valorização da diversidade e do respeito às diferenças que favorecem o empoderamento (PEREIRA, 2006). Sendo assim, é pertinente aliar todas as interfaces da capoeira para trabalhar o empoderamento e o protagonismo juvenil nas escolas.

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A capoeira, assim como, outras manifestações culturais como o Hip-Hop — que abrange o Rap (música), o Break (dança) e a arte do Grafite (pintura) —, enfrentam uma espécie de segregação por parte de uma parcela da sociedade em que o preconceito ainda encontra-se enraizado, associando essas manifestações à marginalidade por pura falta de conhecimento, falta de conhecer a essência da cultura que vem das ruas que retrata o dia-a-dia do ser humano e de uma sociedade. É interessante criar um debate dentro da escola envolvendo essa temática e, consequentemente, evitar rótulos.

Ter disponibilidade para estar em constante discussão sobre a práxis pedagógica é imprescindível num mundo globalizado em que vivemos:

Em Brasília, há o Currículo em Movimento, documento orientador e de reflexão baseado na sistematização das contribuições dos professores que tem como objetivo principal promover uma reorganização do espaço/tempo escolar e da proposição de estratégias metodológicas que favoreçam a efetividade do processo de ensino e aprendizagem, da prática docente e das relações professor-estudante, com vistas à melhoria dos indicadores educacionais. (DISTRITO FEDERAL, 2013)

O estudo da teoria e a prática com seus movimentos coloca a Educação Física em um patamar privilegiado:

É importante apontar que a inter-relação mais rica em termos de produção cultural tanto para a capoeira como para a área de Educação Física é o ensino de uma prática consciente, tendo sido construída a partir da história de um povo que foi trazido escravo para o Brasil e teve a dignidade de, por meio de sua resistência cultural, deixar-nos como legado a arte de lutar sorrindo, dançar lutando, cantar narrando seu passado e relembrar seus antepassados em um jogo corporal chamado capoeira. (BRASIL. 2007)

A Educação Física é citada por muitos autores por ter uma cultura corporal e de movimento muito presente nas escolas, mas isso não quer dizer que outras disciplinas não possam inserir conteúdos voltados para a cultura da capoeira. Conforme argumenta Natividade:

Os professores não podem ficar alheios às questões inseridas nos PCNs, visto que é uma contribuição de pessoas engajadas em mudar todo um contexto e uma prática pedagógica que, talvez não esteja dando certo em determinadas escolas. “Fechar os olhos para este contexto é negar aos alunos, e o pior, é negar a si mesmo ampliar, conhecer, vivenciar, admirar com criticidade esta manifestação de cultura corporal, que ainda traz implícito em seu desenvolvimento, valores os quais lidamos na vida cotidiana como: disciplina, autocontrole, cooperação, integração, coesão e socialização. (NATIVIDADE, 2004).

Por toda essa contextualização, é importante abordar a questão da capoeira como patrimônio imaterial em ambiente escolar, fazendo com que o aluno conheça e seja um disseminador dessa arte que “prende, monopoliza, empolga, arrebata, seduz” (ZULU,1995).

AÇÃO INTERVENTIVA

A ação interventiva realizada que se apresenta aqui teve como alvo estudantes regularmente matriculados no primeiro ano do ensino médio do Centro Educacional 06 de Ceilândia/Brasília-DF, escolhidos intencionalmente por terem cursado e vivenciado o ensino fundamental e ainda terem o ensino médio pela frente. As atividades, abaixo descritas, foram realizadas com os alunos em três dias alternados, no período vespertino, sendo 3h/aula em cada turma em sala de aula, totalizando 9h/aula e um intervalo cultural com duração de 30 minutos.

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Métodos e Procedimentos

O instrumento utilizado foram dois questionários elaborados pela pesquisadora de forma intencional, com perguntas pertinentes ao tema Capoeira, Patrimônio Cultural e Interdisciplinaridade, entregues para três turmas do 1º ano do ensino médio escolhidas aleatoriamente.  No total, responderam aos questionários 88 alunos de ambos os sexos, na faixa etária de 14 a 16 anos, em suas próprias salas de aula. No primeiro momento os alunos responderam um questionário sem tempo determinado em sala de aula,. Os questionários foram recolhidos imediatamente após o seu preenchimento. Considerou-se a avaliação dos conhecimentos dos aspectos históricos, esportivos e dos fundamentos e tradições da capoeira.

Em seguida, foi feita uma breve explanação pela pesquisadora responsável em slides, com abordagem do tema Capoeira e sua importância como Patrimônio Cultural Brasileiro e Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, além da intenção, justificativa e objetivos da ação interventiva. Nesse momento, foram utilizadas 2h/aula em cada turma para realizar essa atividade. Em outro momento e dia alternado, no pátio da escola, uma Roda de Capoeira do grupo Universidade Capoeira Sol Nascente apresentou-se para que todos conhecessem os movimentos e a dinâmica da arte.

A escola contempla em seu Projeto Político Pedagógico um intervalo cultural uma vez por semana, sempre na sexta-feira, e o ápice da ação interventiva aconteceu nesse dia com apresentação de outra roda de capoeira. O Mestrando Muriçoca, que coordenava a roda, deixou livre para que os alunos participassem do jogo — alguns até entraram, pois em algum momento da vida fizeram parte desse universo, outros alunos somente observaram. Após a roda de capoeira, teve apresentação folclórica do Maculelê, uma dança com facões. Em seguida, o Mestrando Muriçoca divulgou seu trabalho e um local para a prática de capoeira. Toda a atividade teve a duração de 30 minutos e foi realizada no período vespertino.

A última etapa da ação foi a aplicação de um novo questionário com perguntas pertinentes ao assunto explanado e suas impressões ao longo dos três momentos. Essa atividade foi realizada com 1h/aula em cada turma, totalizando 3h/aula.

RESULTADOS

Analisando os resultados, o que pode ser observado é que a maioria dos alunos nas três turmas ouviu falar de capoeira na escola e na televisão e a maioria considera a prática uma dança, seguida de luta e esporte. Presenciaram capoeira, mas não participariam de uma aula experimental, apesar de terem gostado do que viram. Nas três turmas o que mais apreciam são os saltos e acrobacias. Natividade (2012) deixa isso evidente quando cita que “ela é dotada de múltiplas facetas, que podem em determinados momentos um sobressair à outra”.

Antes da pesquisa, a maioria dos alunos nas três turmas não sabia sobre a instituição IPHAN e após a pesquisa, mais da metade dos alunos acertaram o significado da sigla.Os alunos de modo geral ouviram falar em patrimônio cultural na escola e na televisão, mas após a explanação, a maioria não saberia explicar o que seria. Isso mostra o quanto os alunos estão desatentos no quesito registros e tombamentos do patrimônio cultural brasileiro e desconhecessem esse processo.

Antes da pesquisa e mesmo após a explanação, os alunos afirmaram desconhecer patrimônio material e imaterial, e não saberiam explicar o que seria. A maioria dos alunos nas três turmas acredita que as disciplinas da grade curricular da escola não abordam a questão da capoeira. Dos que acreditam que a escola aborda a questão da capoeira, 57,14% entendem que o assunto é abordado em qualquer época do ano, enquanto que 42, 86% entendem que abordam a questão da capoeira somente em datas comemorativas como Abolição da Escravatura e Dia Nacional da Consciência Negra. Isso pode ser conferido, a partir das palavras de Natividade (2012): “as associações e grupos de Capoeira recebem inúmeros convites para apresentações nos mais variados espaços sociais, aí a Capoeira é folclore.”

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A maioria dos alunos nas três turmas não gostaria que a capoeira fizesse parte do conteúdo curricular, pois não a consideram importante, contrariando o que cita o mesmo autor: “Podemos encontrá-la em praças e projetos sociais, em escolas e universidades, seja como conteúdo ou simplesmente como atividade extraclasse” (Natividade, 2012).

A pesquisa não despertou curiosidade nos alunos que responderam indiferença ao tema e apenas participaram da pesquisa, mas mudou a imagem que tinham da capoeira. Sobre capoeira, a maioria dos alunos nas três turmas sabia pouco, mas após a pesquisa os que sabiam pouco agora sabem um pouco mais sobre o assunto, porém, não a disseminariam. Isso se justifica pelo que enfatiza Oliveira e Leal (2009): “A capoeira, assim como o carnaval, o samba e o futebol, faz parte do conjunto dos grandes ícones contemporâneos representativos da identidade cultural brasileira”, ou seja, estavam diante de um assunto que não era novidade, embora desconheçam sua importância.

CONCLUSÃO

A intenção dessa ação interventiva foi fazer com que os alunos do Ensino Médio do Centro Educacional 06, escola pública de Ceilândia – DF conhecessem a cultura da capoeira e sua importância para pessoas que deixam o seu legado. Tivemos como objetivo promover um debate acerca do desenvolvimento cultural dos alunos, incentivar a interdisciplinaridade reconhecendo o caráter educacional e formativo da capoeira em suas manifestações culturais, disseminar a cultura da capoeira para que todos possam conhecê-la e também entender a importância de tê-la como Patrimônio Cultural Brasileiro e Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

Conclui-se que a maioria dos alunos que fizeram parte da amostra, na faixa etária de 14 a 16 anos, não está absorvendo o que tem de muito valioso em seu país: a cultura e seu patrimônio. Desconhecem a capoeira e perdem a oportunidade de fazer parte de um processo de valorização de sua cultura quando sinalizam que não gostariam de abordá-la como conteúdo curricular porque não é importante. Perde-se a oportunidade de debater acerca do tema quando os alunos demonstram indiferença e disparam que não disseminariam a prática.

Sugere-se que sejam realizados novos estudos sobre essa temática com os professores e o que eles têm feito para divulgar o trabalho do instituto responsável por preservar o patrimônio cultural brasileiro. Também seria importante saber o que têm feito para estimular o resgate da cultura afro-brasileira com o propósito de contribuir e aumentar o leque de opções durante as aulas e como conseqüência aumentar o repertório de conhecimento dos alunos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Revista Textos do Brasil nº 14 Capoeira. Organização de Bruno Zétola, Andréa Milhomen Seixas. Ministério das Relações Exteriores, 2007. il.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Educação Física. Brasília: MEC/SEF, 1998.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Temas Transversais. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CARNEIRO, Edison. Capoeira. Cadernos de Folclore Vol.1 Editora Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, 1975.p.3.

DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Educação. Currículo em Movimento da Educação Básica - Ensino Médio. Brasília: SEDF, 2013.

IPHAN. Dossiê 12. Roda de Capoeira e ofício dos mestres de capoeira. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Brasília, DF: Iphan, 2014.

IPHAN. Dossiê. Inventário para Registro e Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil. Brasília, DF: Iphan. 2007. p 11

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Cartilha do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília. 2015.

MELLO, Diego Fernandes de; SILVA, Marcelo Moraes e. A capoeira no contexto do
Estado Novo: civilização ou barbárie? Movimento & Percepção, Espírito Santo do Pinhal, v.9, n.13, p. 123-139, jul/dez. 2008.

NATIVIDADE, Lindinalvo. A Atuação do Profissional de Educação Física em Relação às Lutas no Ambiente Escolar. Ênfase na Capoeira. Trabalho de Conclusão de Curso Centro Universitário de Volta Redonda – UNIFOA – Volta Redonda.2004.Disponível em http://www.efdeportes.com/efd90/capoeira.htm. Acesso em: 21 jun. 2015.

NATIVIDADE, Lindinalvo. Capoeirando eu vou: cultura, memória, patrimônio e política pública no jogo da capoeira. Rio de Janeiro: UERJ, 2012. 128f. Tese (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2012.

OLIVEIRA, Josivaldo Pires de; LEAL, Luiz Augusto Pinheiro. Capoeira, Identidade e Gênero: ensaios sobre a história social da capoeira no Brasil. - Salvador: EDUFBA, 2009.
PEREIRA, F. C. O que é empoderamento (empowerment). Sapiência, Piauí, n. 8, 2006. Disponível em: www.se.df.gov.br . Acesso em: 21 jun. 2015.

ZULU, Mestre. Idiopráxis de Capoeira. Brasília. 1995.