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Matula, Prato Típico dos Tropeiros: Patrimônio Cultural Gastronômico do Município de Alto Paraíso de Goiás

Este trabalho tem como objetivo realizar um estudo sobre o patrimônio cultural imaterial, apresentando seus principais conceitos, propor com base neste estudo, que a Câmara Municipal de Alto Paraíso de Goiás, por intermédio do poder executivo, de uma proposta de criação de lei municipal que verse sobre o reconhecimento, salvaguarda e registro do patrimônio cultural imaterial do município. Pretende-se também realizar um estudo histórico sobre a refeição Matula, comida típica dos tropeiros na Chapada dos Veadeiros em Goiás, produzida e comercializada pelo senhor Valdomiro da Silva Filho em seu rancho localizado na área rural de Alto Paraíso de Goiás.

Palavras chave: Patrimônio Cultural Imaterial, Cultura, Registro, Culinária Regional.

Aluno: Ângelo da Silva

Polo: Alto Paraíso

Orientadora Acadêmica: Maria de Fátima França Rosa

Coordenadora de orientação: Ivanilda Aparecida Andrade Junqueira

Anexos

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INTRODUÇÃO

Historicamente, conforme destaca Carneiro (2009), "a palavra patrimônio tem origem em dois vocábulos greco-latinos: "pater" e "nomos". A palavra Pater significa chefe de família, ou em um sentido mais amplo, os antepassados". Por sua vez, esteve também associada a heranças de bens e posses de natureza material e imaterial, que conjuntamente constituem o patrimônio de um indivíduo ou grupo.

Nesta perspectiva, a noção de patrimônio passa a incorporar novos conceitos ao longo da história. Com o processo de formação dos estados nacionais a partir dos séculos XIV e XV, conceitos como o de nação, cultura e identidade já encontram precedentes.

A partir do século XX, o termo "Patrimônio Histórico" aparece associado à ideia de materialidade, ligado a monumentos como igrejas, palácios, praças, conjuntos arquitetônicos históricos e obras de arte, passando a abranger outros elementos, caracterizando-os como bens culturais, como paisagens naturais, expressões culturais, culinária e gastronomia, sítios arqueológicos, dentre outros. A partir daí, passa a constituir o termo "Patrimônio Cultural", sendo este mais utilizado e adequado em relação à incorporação dos bens de natureza intangível.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 216 identifica o Patrimônio Cultural brasileiro como sendo os bens de natureza material e imaterial; tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: as formas de expressão e os modos de criar, fazer e viver ao lado das obras de arte, arquitetura e demais bens tradicionalmente consagrados.

Nesta perspectiva, Pieper e Fremming (2012), enfatizam que a culinária regional é uma arte fundamentada na tradição, no afeto, em um sentimento de reconhecimento, comportando uma manifestação e representação do patrimônio cultural resultante dos usos e costumes, isto é, da organização social e cultural de um povo. Isso torna relevante a abordagem e a proposta do estudo que apresentamos aqui, no sentido de analisar a cultura e o turismo, e de maneira mais específica, a alimentação em espaços típicos de oferta de pratos regionais no município de Alto Paraíso de Goiás.

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Nestes estudos, é significativa a reflexão sobre as características e representações que os hábitos alimentares assumem em cada região ou tradição. Tendo em vista a importância do reconhecimento e registro do Patrimônio Cultural Imaterial nestes municípios e a carência de instrumentos para que se faça tal registro na maioria deles, este projeto de intervenção procura estudar, analisar e contribuir para mudar esta realidade. Nesse sentido, esse estudo, fez uma proposição à Câmara Municipal de Alto Paraíso de Goiás, com vistas a se criar uma legislação destinada a acolher, reconhecer e registrar o Patrimônio Cultural Imaterial do município.

Para que os bens culturais imateriais com suas características originais (ou mesmo que ressignificados) tenham suas continuidades como usufrutos da comunidade, são necessário instrumentos para reconhecê-los como patrimônio cultural local. Dessa forma, é preciso assegurar formas de salvaguarda, fruição, e valorização mediante titulação na área de registro e reconhecimento específico. Um dos caminhos para se alcançar esses objetivos seria, por exemplo, a criação do Programa de Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial do município, mediante projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal de Vereadores.

Através dessa iniciativa, o poder público, os cidadãos e os diversos grupos representativos da comunidade poderão propor a inscrição de bens culturais imateriais nos Livros dos Saberes, de acordo com suas características. Este registro a nível local nos municípios brasileiros pode ser feito seguindo o que determina o Decreto Federal nº 3.551/2000 . Já a Resolução nº 001/2006 regulamenta os procedimentos de abertura e instrução técnica dos processos administrativos de Registro.

Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem o patrimônio cultural brasileiro e cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial.

Assim, a partir da instituição do Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial, com a abertura do livro dos Saberes, poderia-se prosseguir à inscrição da refeição denominada "Matula" como Patrimônio Cultural do município de Alto Paraíso de Goiás, por exemplo. Isso estimularia iniciativas de reconhecimento de outros bens culturais e seus respectivos atores sociais existentes na comunidade.

De acordo com Martins (2009), gastronomia e culinária tradicional é a arte de criar receitas através da combinação de matérias-primas tradicionais com hábitos locais, vivências históricas e heranças culturais.  Os hábitos alimentares de um povo denotam entre as cores e sabores outros valores que são de caráter social, tais como religião, etnia e história, fortalecendo a ideia de pertencimento ao lugar, o que contribui para reforçar a identidade de um povo e a abrangência da relação alimentação/cultura.

DESENVOLVIMENTO

O Patrimônio Cultural pode ser melhor compreendido a partir do patrimônio material, inscrito nos bens culturais materiais, como edificações, fachadas, museus, casas de cultura, arquitetura e traçados urbanísticos de relevância histórica. Conforme destacam Funari e Pelegrini (2009), quando falamos em Patrimônio Cultural atualmente, duas ideias nos vêm à mente. Em primeiro lugar, pensamos nos bens que transmitimos aos nossos herdeiros – e que podem ser materiais, como uma casa ou uma joia, com valor monetário determinado pelo mercado.

Para Funari e Pelegrini (2009), legamos ainda aos nossos herdeiros bens materiais de baixo valor monetário, porém de grande valor emocional, como uma foto, uma casa de um importante personagem histórico para a comunidade, ou ainda uma imagem religiosa – contextos nos quais os bens culturais imateriais se subscrevem. Para os autores tudo isso pode ser mencionado em um testamento e constitui o patrimônio de um individuo. Em contraposição a esse sentido legal, devemos também lembrar de acrescentarmos outro sentido: o de Patrimônio Cultural Imaterial, aquele que encerra os bens que possuem relação de afetividade com o individuo e a comunidade a qual pertence.

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O Patrimônio Cultural Imaterial, portanto, é aquele que pode ser representado pelos modos de fazer e práticas enraizadas no cotidiano das comunidades. Como exemplo, pode-se citar receitas culinárias e pratos típicos, danças folclóricas, manifestações religiosas, rezas, vestimentas, músicas, etc. Essas manifestações atestam a relação afetiva com os espaços de vivência da comunidade, conferindo identidade e significado à mesma.

No município de Alto Paraíso de Goiás, localizado na Chapada dos Veadeiros, nota-se a presença muito latente e expressiva dessa diversidade manifestada em diversos espaços. São exemplos eventos como a Festa Religiosa Católica da Caçada da Rainha, a Feira do Produtor Rural Familiar e Artesãos, o Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros e o Rancho do senhor Valdomiro da Silva Filho, dedicado à culinária regional.

Dentre essa gama diversa de objetos, optou-se por realizar um estudo histórico e cultural sobre a refeição Matula, prato típico dos tropeiros na Chapada dos Veadeiros em Goiás, produzida e comercializada no Rancho do senhor Valdomiro da Silva Filho. A peculiaridade desta refeição se traduz na forma única como é produzida pelo senhor Valdomiro e , visto que Matula é um nome genérico para alimentos utilizados em viagem ou deslocamento.

Todavia, Valdomiro, que produz e comercializa o prato a cerca de trinta anos, procurou manter as formas mais tradicionais de fazê-la, servindo na folha de bananeira. Outro aspecto interessante é que a partir de um nome genérico (matula), o senhor Valdomiro criou uma característica própria para a refeição, na qual Matula passou a ser o nome da refeição produzida por ele.

De acordo com o Dicionário Michaelis , as discussões levadas a cabo no Brasil a respeito do Patrimônio Cultural passaram por diversas fases. Nessa direção, Maltêz et al (2010, p. 41), "salienta que "a ideia de Patrimônio Cultural, a principio, abrangia apenas a importância histórica de diversos locais em cidades brasileiras". Assim, eram considerados patrimônio cultural apenas sítios arqueológicos e edificações, originando a expressão patrimônio de "pedra e cal".

Conforme o Dicionário Michaelis online Português online disponível em: http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=matula. Acesso em: 04 ago. 2015 20h51hmin, o significado da expressão Matula é: Ma.tu.la1sf "Comida, provisões alimentícias para viagem".

De acordo com o disposto no  Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial como Instrumento de reconhecimento e salvaguarda do Patrimônio Cultural , pode ser realizado por meio da inscrição nos seguintes livros: 1. Livro dos Saberes; 2. Livro das Celebrações; 3. Livro das Formas de Expressão; e 4. Livro dos Lugares. Ainda poderão ser criados outros livros para o registro de bens que não se enquadrem nos citados acima.

CLAUDIA, Ana. Gerente de Registro. Acesso em 16/09/2015 site: http://www.ufrgs.br/sbctars-eventos/ssa2/programacao/ana_claudia.pdf. Documento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN; publicado pela Gerencia de Registro do Departamento do Patrimônio Imaterial

O livro dos Saberes é aquele onde devem ser inscritos o registro de bens culturais imateriais que tragam consigo conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades. Bons exemplos são uma receita de um prato típico e representativo da cultura coletiva de uma comunidade, uma música regional, saberes sobre o uso de plantas medicinais, etc. Nessas circunstâncias as memórias coletivas da comunidade ganham destaque, nos saberes contidos nestes modos de fazer e proceder, que há muito são comuns para a comunidade.

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O Livro das Celebrações constitui-se em espaço privilegiado para a inscrição e registro dos bens culturais imateriais, onde estão presentes rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social. No Livro das Formas de Expressão são inscritas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas. No Livro dos Lugares são listados osmercados, feiras, santuários, praças e demais espaços de vivência da comunidade, onde se concentram e se reproduzem práticas culturais coletivas.

O registro de um bem cultural de natureza imaterial terá sempre como referência a continuidade histórica do bem e sua relevância nacional ou local para a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira. Dessa forma, este bem pode ser objeto de conhecimento e apreço pelas gerações futuras e constituir um legado para a sociedade.

Existem várias formas de proteção do Patrimônio Cultural. Nos termos do art.32 da Constituição Federal, a União, Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm competência comum para, entre outras, proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis os sítios arqueológicos (III). Além disso, a União, os Estados e o Distrito Federal podem legislar concorrentemente sobre proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico (art.24, VII, Constituição Federal).

Igualmente cabe aos municípios legislarem sobre assuntos de interesses locais e promoverem a salvaguarda de seus Patrimônios Culturais, observada a ação fiscalizadora federal e estadual (art.30, I e IX, Constituição Federal). Porém, como o patrimônio cultural brasileiro possui essa amplitude e extensão, a sua promoção e proteção tornam-se difíceis. E por isso essas ações não devem ser restritas ao Poder Público, já que as comunidades e a sociedade devem colaborar com este processo, tal como previsto no § 1º do art.216 da Constituição Federal.

Para proteger o patrimônio, a legislação prevê várias formas ou procedimentos que estão elencados no referido artigo e parágrafo: inventários, registros, vigilância, tombamento, desapropriação, além de outras formas de acautelamento e preservação são mencionados. Na verdade, a maioria destes procedimentos tem cunho político e administrativo, com exceção da desapropriação e tombamento que devem ser feitos por lei ─ e não havendo acordo, principalmente no caso da desapropriação, a questão certamente cairá na esfera judicial. Os inventários e registros acabam servindo mais para demonstrar que aquele patrimônio cultural é reconhecido como tal pelo Poder Público, o que não impede a degradação ou outro ato que o prejudique.

Para Tomaz (2010), o estudo do patrimônio cultural promove a valorização e consagração daquilo que é comum a determinado grupo social no tempo e no espaço. Conforme aponta o autor, esse patrimônio compreende três grandes categorias: a primeira engloba os elementos pertencentes à natureza, ao meio ambiente; a segunda refere-se ao conhecimento, às técnicas, ao saber e ao saber-fazer. A terceira categoria, segundo Tomaz (2010), trata mais objetivamente do patrimônio histórico, que reúne em si toda a sorte de coisas, artefatos e construções resultantes da relação entre o homem e o meio ambiente, e do saber-fazer humano. Ou seja, tudo aquilo que é produzido pelo homem ao transformar os elementos da natureza, adequando-os ao seu bem-estar.

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O cidadão pode participar e exercer seu papel contribuindo para a preservação do Patrimônio Cultural. Nesse sentido, a Constituição Federal é clara ao nos chamar a atenção para o papel da comunidade junto ao poder público, conforme o art. 216, V, § 1º: "O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro (...)". Portanto, qualquer cidadão tem o direito de solicitar o tombamento e outras formas de proteção dos bens que considere de valor histórico, artístico, arquitetônico, ambiental ou afetivo para a sua cidade: casas, monumentos, áreas, ruas, praças, bairros, áreas verdes, dentre outros, cabendo aos órgãos técnicos a apreciação dos pedidos e o desenvolvimento dos estudos necessários para a sua concretização.

OBJETIVO GERAL

Este trabalho teve como objetivo propor à Câmara Municipal de Alto Paraíso de Goiás a criação de um projeto de lei que institua o registro de bens culturais de natureza imaterial de Alto Paraíso de Goiás, divulgando a riqueza da cultura imaterial existente no município por meio de um estudo histórico sobre a refeição Matula, prato típico dos tropeiros na Chapada dos Veadeiros em Goiás, produzida e comercializada pelo senhor Valdomiro da Silva Filho, propondo a sua inscrição como Patrimônio Cultural Gastronômico do município.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Os objetivos específicos dessa intervenção foram:

REFERENCIAL TEÓRICO

O estudo do Patrimônio Cultural ganha importância como fator fundamental para a compreensão de conceitos relativos ao uso dos espaços como "lugares de memória", como ressalta Tomaz (2010: 01) "expressão utilizada por Pierre Nora para descrever certos espaços e certas temporalidades que acabam por ser sacralizados em determinados grupos nas sociedades urbanas".

TOMAZ, Paulo Cesar. A preservação do patrimônio cultural e sua Trajetória no Brasil. Universidade Presbiteriana Mackenzie. Fênix Revista de História e Estudos Culturais. Maio a Junho. Vol. 7. Ano VII. Nº 02. ISSN 1807-6971, 2010. Maringá PR.

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Segundo o autor, esses "lugares de memória"assumem importante significado por fazerem parte da memória coletiva de determinado grupo, a memória de um passado comum e de uma identidade social que faz com que o grupo se sinta parte daquele lugar, do espaço que traz à luz a história de todos. Para Tomaz (2010), ao se contemplar um espaço de relevância histórica, esses espaços evocam lembranças de um passado que, mesmo remoto, é capaz de produzir sentimentos e sensações que parecem fazer reviver momentos e fatos ali vividos,fundamentando e explicando a realidade presente.

Tendo em vista que a preservação do Patrimônio Cultural constitui, dessa forma, elemento essencial para a manutenção da memória e identidade cultural de um grupo social. Este Projeto de Pesquisa e intervenção procura justamente contribuir para o reconhecimento e preservação dos bens culturais imateriais de Alto Paraíso de Goiás. Esta contribuição está expressa através da proposta de envio à Câmara Municipal de projeto de lei, para criação da lei municipal de registros de bens culturais imateriais.

A memória comum a um grupo, entendida como memória coletiva, como sugere Tomaz (2010) Apud Michael Pollak , contribui para "manter a coesão dos grupos e das instituições que compõe uma sociedade, para definir seu lugar respectivo, sua complementaridade". Podemos entender melhor a noção de Patrimônio Histórico e Cultural, a partir de duas perspectivas: O patrimônio material, que pode ser objeto de tombamento pelos órgãos de proteção ao patrimônio competente, a exemplo do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), ligado ao Governo Federal; e o patrimônio imaterial, objeto de registro em livros que atestem seu valor histórico e memorial para determinada comunidade.

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989.

Sobre o Patrimônio Histórico e Cultural Imaterial: Em abordagens mais recentes, o patrimônio cultural compreende todas as manifestações culturais que reúnem os saberes e fazeres de uma comunidade no tempo e no espaço. Podemos pensar nas manifestações de caráter artístico-culturais festivas ou não, individuais e coletivas, gastronômicas, religiosas, lendas e causos, vestuário, que juntos tornam distinta a realidade e a trajetória de determinado povo em um dado momento histórico.

Nessa direção, Tomaz (2010) destaca que o estudo do patrimônio cultural promove a valorização e consagração daquilo que é comum a determinado grupo social no tempo e no espaço.

Françoise Choay, referindo-se ao patrimônio histórico, salienta que:

Patrimônio histórico. A expressão que designa um bem destinado ao usufruto de uma comunidade que se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela acumulação contínua de uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado comum: obras e obras-primas das belas artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes dos seres humanos (CHOAY, 2001 p. 11).

Como explica a socióloga, o patrimônio, dentro dos processos sociais, pode ser definido "como "dinâmicas da experiência coletiva, sobre a qual cada grupo social manifesta o que deseja como perene e eterno". (CHOAY, 2001: idem). Sendo assim, sua preservação é relevante para a manutenção da coesão social e da identidade da origem das práticas socioculturais do grupo. A autora diz que o cuidado com os bens patrimoniais visa resguardar a memória, dando importância ao contexto e às relações sociais existentes em qualquer ambiente.

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METODOLOGIA

Severino (2000) ressalta que a pesquisa bibliográfica, com estudo e análise documental, é em um instrumento rico e relevante para o desenvolvimento de um estudo bibliográfico/empírico acerca de determinado assunto observado na sociedade. No município de Alto Paraíso de Goiás e região da Chapada dos Veadeiros, a culinária tradicional é muito rica e variada, resultado da grande diversidade de culturas presentes no processo histórico de povoamento e ocupação da região. Esta pesquisa, por sua vez, desenvolveu uma pesquisa bibliográfica e análise documental no município Alto Paraíso de Goiás, a qual foi de grande importância para subsidiar e fundamentar a proposta de intervenção em tela. Para Marconi e Lakatos (2003), o Método Histórico e Comparativo parte do pressuposto de que as atuais formas de vida social, cultural, econômica e política, assim como as instituições e costumes, tem origem no passado.  Dessa forma, fica evidente a necessidade de se ter um registro preciso e o reconhecimento do Patrimônio Cultural Imaterial nos municípios brasileiros, como forma de se preservar momentos importantes da manifestação cultural local neles existentes.

De acordo com Tripp (2005), o processo de pesquisa-ação empírica e diagnóstica, no qual foi embasado esse trabalho, esclarece que a pesquisa-ação sempre representou uma forma de refletir constantemente sobre a própria prática. Por assim dizer, o autor enumera que é importante que se reconheça a pesquisa-ação como um dos inúmeros tipos de investigação-ação, que é um termo genérico para qualquer processo que siga um ciclo no qual se aprimora a prática pela oscilação sistemática entre agir no campo da prática e investigar a respeito dela.

Segundo Tripp (2005:446), "Planeja-se, descreve-se e avalia-se uma mudança para a melhora de sua prática, aprendendo mais, no correr do processo, tanto a respeito da prática quanto da própria investigação". De acordo com o autor, embora a pesquisa-ação tenda a ser pragmática, ela se distingue claramente da prática e, embora seja pesquisa, também se distingue claramente da pesquisa científica tradicional, porque a pesquisa-ação ao mesmo tempo altera o que está sendo pesquisado e é limitada pelo contexto e pela ética da prática.

A pesquisa de campo com coleta de dados foi realizada no Rancho do Valdomiro, espaço de produção e comercialização da refeição Matula, situado às margens da GO 239 no município de Alto Paraíso de Goiás. Aplicando-se questionário de questões abertas e fechadas, pertinentes à investigação que foi desenvolvida, com o objetivo de aferir a posição dos visitantes sobre a refeição Matula e outros aspectos ligados ao espaço de produção e comercialização desta refeição, no rancho do senhor Valdomiro.  A investigação preocupou-se sobretudo com o papel da refeição Matula como indicação pertinente para futuro processo de reconhecimento como Patrimônio Cultural Imaterial Gastronômico do município de Alto Paraíso de Goiás.

Desta forma, turistas e moradores da cidade de Alto Paraíso e região em visitação turística ao referido rancho expressaram suas opiniões nos questionários (em anexo), sobre a proposta apresentada na presente intervenção.

A revisão bibliográfica foi sendo conduzida e realizada ao longo do trabalho de pesquisa e intervenção, buscando o reconhecimento do Patrimônio Cultural Imaterial referenciado neste relatório.

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Na visão de Feitosa e Silva (2011), a culinária, tomada como Patrimônio Cultural, comunica questões identitárias, geográficas, históricas e culturais de um povo. Seu resgate e revitalização através de Políticas Públicas contribuem para o revigoramento da memória de um grupo. A patrimonialização e a apropriação de tais bens podem contribuir para o desenvolvimento econômico e social local, através de Políticas Públicas e outras ações conduzidas pela comunidade.

A metodologia aplicada neste trabalho de intervenção, que aliou pesquisa teórica e bibliográfica, revisão da literatura e pesquisa-ação empírica e diagnóstica em campo, pretendeu contribuir para a reflexão sobre os temas relacionados à caracterização e registro do Patrimônio Cultural Imaterial, no contexto geral e também no município de Alto Paraíso de Goiás. Procurou-se oferecer subsídios à proposição de criação de lei municipal com fins de registro do Patrimônio Cultural Imaterial, discutindo diversos casos onde o registro como Patrimônio Cultural seria adequado e contribuiria para valorizar a história e cultura do município e região.

PROCEDIMENTOS

Recursos Humanos, Materiais e Financeiros

Os recursos humanos envolvidos na elaboração, planejamento e execução do Projeto de Intervenção são todas as pessoas – turistas e moradores de Alto Paraíso de Goiás e região, que participaram dos estudos de campo respondendo o questionário, formando um quadro de opinião qualitativa e quantitativa sobre a visitação turística no espaço de produção da refeição Matula e sobre a degustação dessa refeição.

Outros recursos materiais e humanos estiveram envolvidos no processo de intervenção, como a Câmara Municipal de Vereadores, a Secretaria Municipal de Cultura e a Prefeitura Municipal.

Intervenção – Ações Educativas

Durante a execução da intervenção foi realizada uma parceria com a Secretaria Municipal de Cultura, na qual foi proposta junto à Câmara Municipal de Vereadores de Alto Paraíso de Goiás a criação de uma lei municipal para o reconhecimento, registro e salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial do município, tendo como exemplo e local de estudo a refeição Matula, prato típico dos tropeiros na Chapada dos Veadeiros em Goiás, produzida e comercializada pelo senhor Valdomiro da Silva Filho em seu rancho.

O reconhecimento e registro dependem de uma série de iniciativas locais, como articulação com a Secretaria Municipal de Cultura, Conselho Municipal de Cultura e de proposição ao executivo municipal sobre a viabilidade do projeto, elaboração de projeto de lei que versa sobre o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial do município e aprovação do mesmo na Câmara Municipal de Vereadores.

RESULTADOS

Produtos e Resultados da Intervenção

Ao longo dos meses de maio agosto de 2015, foram alcançados alguns objetivos enumerados como resultados da intervenção e estudos propostos aqui. Inicialmente, por meio de uma pesquisa e revisão da literatura sobre o tema do Patrimônio Cultural Imaterial, pôde-se aprofundar as discussões e análises, bem como a compreensão em torno do significado deste tema para a comunidade alto paraisense.

Também pôde-se discutir e compreender melhor os diversos elementos que compõem o conjunto do que podemos classificar como Patrimônio Cultural Imaterial, sendo a culinária, a música, o folclore, a linguagem, os costumes, dentre outros elementos que vão integrar um amplo arcabouço deste patrimônio. Durante o transcorrer dos trabalhos, algumas mudanças nos objetivos inicialmente propostos foram feitas, pois de início, pensava-se em propor o reconhecimento do espaço de produção culinária do senhor Valdomiro da Silva Filho, como Patrimônio Cultural Imaterial do município, através de uma proposta de criação de lei pela Câmara Municipal para o reconhecimento como Patrimônio Imaterial.

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Durante a intervenção aconteceu uma reforma no prédio da Câmara Municipal de Vereadores, o que contribuiu para o adiamento da aprovação da lei que institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial do município, bem como o registro da refeição Matula, como Patrimônio Cultural Gastronômico de Alto Paraíso de Goiás.

A intervenção ainda teve como proposta a construção do Programa ou Plano de Registro dos Bens Culturais de Natureza Imaterial do município de Alto Paraíso de Goiás. Além disso, propôs-se apoiar, através da coleta e sistematização permanentes de dados, o processo de Avaliação e Monitoramento das ações de identificação, registro e salvaguarda de bens culturais de natureza imaterial de Alto Paraíso de Goiás. Promoveu-se ainda a apresentação de projeto de lei municipal para o registro de bens culturais imateriais na Câmara Municipal de Alto Paraíso de Goiás.

A pesquisa contribuiu para o registro do Patrimônio Histórico do Município de Alto Paraíso de Goiás. Divulgar a riqueza da cultura imaterial existente na Região da Chapada dos Veadeiros em Goiás, por meio do estudo do espaço de produção do senhor Valdomiro da Silva Bastos. O estudo ainda fez uma revisão capaz de diferenciar os conceitos de bens materiais e imateriais, e contribuir para as atividades de tombamento e registro do Patrimônio Histórico nos pequenos municípios brasileiros.

CONCLUSÕES

Considerações Finais

A proposição da criação de um instrumento jurídico no município de Alto Paraíso de Goiás, no caso, a lei que versa sobre o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial, constituiu-se num dos aspectos mais importantes deste trabalho, pois é através desta lei que surgiram mecanismos de reconhecimento/valorização, registro e salvaguarda dos bens culturais e dos lugares onde estes se manifestam.

O envolvimento e articulação entre múltiplos atores sociais, como o poder público, a comunidade local e visitantes tem possibilitado gradativamente uma melhor visibilidade e acessibilidade a estes bens culturais, favorecendo o fortalecimento da identidade local num contexto regional e nacional, visto a  relevância  do município no cenário turístico do país.

A inscrição da refeição Matula, prato típico dos tropeiros na Chapada dos Veadeiros em Goiás, produzida no Rancho do senhor Valdomiro, além de contribuir para a valorização de modos de fazer, mantendo sua essência e continuidade histórica desta arte, propicia a fruição e a troca de conhecimentos entre pessoas e grupos que mantêm a cultura ativa no município em suas diversas dimensões, estimulando a inscrição de outros bens culturais como Patrimônios Culturais.  Para isso, é fundamental a implantação de uma política pública de proteção e fomento do patrimônio cultural democrático, onde todos os grupos sociais existentes na comunidade possam ter voz ativa no processo.

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