Governo Federal República Federativa do Brasil Ministério da Educação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Universidade Federal de Goiás

EM DEFESA DO DIREITO À EDUCAÇÃO ESCOLAR:

DIDÁTICA, CURRÍCULO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS EM DEBATE

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SEÇÃO 2
AUTORES Anegleyce Teodoro Rodrigues • Eliene Lacerda Pereira • Fernando Silva • Lênin Tomazett Garcia
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Desafios e Perspectivas da Educação Física Frente às Reformas do Ensino Médio: Nenhum Direito a Menos

Introdução

Este estudo expressa algumas reflexões e questionamentos acerca da Educação Física no Ensino Médio resultado das discussões ocorridas no VII Encontro de Didática e Prática de Ensino (EDIPE) que teve como tema geral: Didática, Escola e Políticas: nenhum direito a menos. Nesse sentido, procurou-se dialogar com as mudanças advindas, recentemente, neste nível de ensino a partir da contextualização das reformas educacionais brasileiras. A luta pela garantia do direito à aprendizagem dos saberes de Educação Física, no Brasil, tem sido um aspecto marcante de sua constituição histórica como disciplina do currículo escolar.

Como problemática, partimos da seguinte questão: quais os limites e impasses históricos que as reformas do Ensino Médio (EM), em especial, a Lei 13.415, aprovada em 16/02/2017, em substituição à Medida Provisória (MP) 746, põe ao componente curricular, Educação Física, à prática pedagógica e à formação humana na última etapa da Educação Básica?

As reflexões aqui desenvolvidas tiveram como estratégia metodológica de investigação um levantamento bibliográfico sobre o tema e análises documentais da legislação. Será apresentado também um relato de um caso particular em meio à diversidade de projetos de Ensino Médio existentes, atualmente, no País. Trata-se de um relato de experiência da mobilização dos jovens do EM, diante da MP 746, estudantes de cursos de formação integrada de tempo integral no Instituto Federal de Goiás, Campus Goiânia Oeste.

A Educação Física no ensino médio no contexto das reformas educacionais

A reforma curricular do EM aprovada pela Lei 13.415/2017 (MP 746), muda o artigo 36 da LDB, acabando com a obrigatoriedade do ensino de filosofia e sociologia, desobriga também o ensino de artes e Educação Física (EF). Mantém o status de obrigatórias, nos três anos do Ensino Médio, apenas, as disciplinas de português e matemática, o que pode levar ao enfraquecimento da formação humana e a perda de direitos de aprendizagem de saberes culturais, científicos e filosóficos.

Em um breve contexto histórico relacionado às Reformas Educacionais encontramos em 1931, a primeira Reforma Educacional Francisco Campos, que regulamenta, organiza e “moderniza” o Ensino Secundário nacional. Em 1941, a Reforma de Capanema instituiu o conjunto das leis orgânicas, tendo como propósito que o ensino secundário formasse as elites que conduziriam o país, enquanto o ensino profissional atenderia as necessidades emergentes da economia industrial e da sociedade urbana.

Já em 1950, houve a vinculação entre os estudos acadêmicos e os profissionais, permitindo que os estudantes dos cursos profissionais ingressassem em cursos superiores, desde que comprovassem o nível de conhecimentos adequados. A plena equivalência entre os cursos, passa a valer com a Lei de n° 4024/1961. Com a LDB nº 5.692/1971 ocorre uma transposição do antigo ginasial, considerado fase inicial do secundário, para constituir-se na fase final do 1º grau de 8 anos. Destaca-se dentre outros aspectos, que as principais mudanças dos anos de 1970, à época do governo ditatorial civil-militar, guardam algumas semelhanças com as reformas educacionais de 2017, como a aprovação da BNCC e da Reforma do Ensino Médio.

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Observa-se que muitos elementos do passado recente da educação brasileira voltam à cena do presente em um protagonismo evidente quanto ao fomento de recursos públicos para instituições privadas e a diversificação do currículo, a saber: a previsão de um núcleo comum para o currículo de 1º e 2º graus e uma parte diversificada em função das peculiaridades locais (art. 4). Além disso, a inclusão da educação moral e cívica, educação física, educação artística, e programas de saúde como matérias obrigatórias do currículo; ensino religioso facultativo (art. 7); Educação a distância como possível modalidade do ensino supletivo (art. 25). Dinheiro público não exclusivo às instituições de ensino públicas (art. 43 e 79). Progressiva substituição do ensino do 2° grau gratuito por sistema de bolsas com restituição (art. 63). Permite o ensino experimental (art. 64). Pagamento por habilitação (art. 39). (BRASIL, 1971).

Em 1982 com a Lei nº 7.044/1982, torna-se facultativa a profissionalização no 2º grau e em 1996 a LDB nº 9.394/1996, passa a definir como finalidades do Ensino Médio a preparação para a continuidade dos estudos, a preparação básica para o trabalho e o exercício da cidadania. No Art. 26 § 3o A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo sua prática facultativa ao aluno.

Em 1998 são aprovadas as primeiras Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. O Projeto Político Pedagógico - PPP das escolas se orientam por competências básicas, conteúdos e formas de tratamento dos conteúdos previstos pelas finalidades do Ensino Médio. As Diretrizes apontam uma nova forma de organizar o conteúdo em três grandes áreas do conhecimento, que são: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e suas Tecnologias. Confirma-se o Ensino Médio sendo considerado como a etapa final do processo da Educação Básica (EB), tendo como base possibilidades diversas de formação.

Com a Lei nº. 10.328 de dezembro de 2001 este texto referente ao Art 26 § 3o é alterado. O termo obrigatório passa a fazer parte da redação: A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo sua prática facultativa ao aluno. Em 2003 com a Lei no 10.793, que altera a redação do art. 26, § 3o, e do art. 92 da LDB de 1996, que

Art. nº 26 § 3o A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica, sendo sua prática facultativa ao aluno: I – que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a seis horas; II – maior de trinta anos de idade; III – que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em situação similar, estiver obrigado à prática da educação física; IV – amparado pelo Decreto-Lei no 1.044, de 21 de outubro de 1969; V – (VETADO); VI – que tenha prole. Artigo 6º do decreto 69450/71. (BRASIL, 2003).

Em 2013, com a aprovação das Diretrizes Nacionais para a Educação Básica, o EM é identificado como a etapa final da EB e tem uma duração mínima de três anos. Nesta fase de ensino é proposto que haja uma consolidação das aprendizagens promovidas pelo Ensino Fundamental bem como a formação de uma base para a continuação dos estudos e/ou para inserção no mundo do trabalho (BRASIL, 2013).

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Em 2016 é aprovada a segunda versão da Base Comum Curricular (BNCC) e no dia 15 de dezembro de 2017 foi aprovada sua terceira versão, pelo Conselho Nacional de Educação. Ela vai direcionar o que as escolas devem ensinar aos estudantes da educação infantil e do ensino fundamental. Com o documento, as escolas - públicas e particulares - de ensino municipal, estadual e federal devem elaborar os currículos, adaptando para cada realidade regional. A discussão para a Base curricular do EM ficou para este ano de 2018.

Em 16/02/2017, a Lei da Reforma do Ensino Médio 13.415 é aprovada e estabelece várias alterações, que interferem negativamente na concepção da disciplina EF e na qualidade do ensino público. Altera a LDB nº 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional e a lei 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. Além disso altera a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005 e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral.

Seguindo a mesma estrutura da MP 746, a Lei 13.415/2017, apresenta as seguintes mudanças, conforme Silva (2016): 1) currículo em 5 fases – à escolha dos sistemas de ensino (50% BNCC e 50% à escolha): Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas ou Formação Técnica e Profissional; 2) Currículo definido pela BNCC do EM com base em “competências, habilidades e expectativas de aprendizagem” com o máximo de 1200 horas; 3) formação modular com terminalidade específica e sistema de créditos; 4) certificação de competências mediante comprovação de experiência prática ou educação à distância; 5) tempo integral com financiamento provisório; 6) seleção de docentes para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio por notório saber, sem exigência de licenciatura; 7) uso de recursos públicos para parcerias com iniciativas privadas e as Organizações da Sociedade – OS; 8) Educação Física e Arte obrigatório somente no Ensino Fundamental - EF e Educação Infantil – EI; 9) apenas Matemática e Língua Portuguesa são obrigatórias nos três anos; 10) fim da obrigatoriedade da oferta de Língua Espanhola – somente Inglês é obrigatório; 11) revogação tácita da Lei 11.684/2008 que tornava obrigatório o ensino de Filosofia e Sociologia; 12) os processos seletivos para ingresso na graduação serão baseados exclusivamente nas competências, habilidades e expectativas de aprendizagem definidas na BNCC, observadas as diversas áreas do conhecimento.

Para justificar estes pontos acima Silva (2016) expõe os motivos pelos quais a medida foi implementada, ou seja, corrigir o número excessivo de disciplinas do Ensino Médio, não adequadas ao mundo do trabalho. A proposta de aprofundamento nas áreas do conhecimento estaria alinhada com as recomendações do Banco Mundial e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). A proposta estaria baseada nos quatro pilares de Jacques Delors: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Tais argumentos utilizados como justificativa para a aprovação da Reforma são os mesmos que formaram a base das reformas curriculares alinhadas à políticas econômicas neoliberais dos anos de 1990, em especial, por meio dos PCN, conforme Rodrigues (2002).

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Educação Física frente ao cenário atual.

Como supracitado, um governo provisório, que assumiu a direção do País, após um processo que dividiu a população, sendo que para alguns se tratou de impeachment e para outros de golpe jurídico-parlamentar e midiático. Alguns meses após a mudança da equipe de governo já foi anunciado sem qualquer participação da sociedade civil organizada, em 2016, por meio de Medida Provisória, uma reforma no Ensino Médio Brasileiro. Assim o cenário se torna grave para toda a educação básica.

Um dos poucos ganhos que a Lei 9394/96 trouxe para o ensino médio, foi considerá-lo parte da educação básica, mesmo sem tê-lo tornado obrigatório, como explica Silva:

A atual LDB traz como preceito que o ensino médio é educação básica. Isso tem como decorrência primeira o reconhecimento de um direito, ainda que esse direito tenha sido fragilizado por não ter se tornado obrigatório. Mais recentemente, pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009, tornou-se obrigatória a faixa etária dos 15 aos 17 anos, o que corresponderia ao ensino médio não fossem as desigualdades de acesso à escola, os itinerários descontínuos e as distorções no âmbito do sistema educacional (SILVA, 2015, p. 370).

De acordo com Silva (2016), o modelo imposto pela MP e posteriormente pela Lei 13.415, dividido em itinerários formativos, de escolha da instituição de ensino, destrói essa concepção de ensino médio como educação básica, tornando-se uma negação do direito ao conhecimento básico.

Assim, de acordo com Silva (2015), o entendimento de currículo ultrapassa a dimensão prescritiva dos textos de propostas que indicam quando muito, objetivos, conteúdos e formas. Para além dessa dimensão prescritiva, é preciso reconhecer que por meio da palavra currículo se expressam também o fazer propriamente dito, as ações por meio das quais se realizam o processo formativo no tempo-espaço da escola, processo este nem sempre circunscrito ao que está prescrito.

A autora afirma, ainda, que as tentativas de reformulação do currículo do ensino médio não são recentes. Já no período imediatamente após ter sido sancionada a LDB, em atendimento ao que determina seu artigo 26, o Conselho Nacional de Educação (CNE) dá início à produção das Diretrizes Curriculares Nacionais para as etapas e modalidades da educação básica. Desde então, são várias as iniciativas de reformulação curricular do ensino médio.

Nesse sentido, a meta 3 do Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado em 2014 estabelece: “universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85% (oitenta e cinco por cento)” (BRASIL, 2014).

No bojo dessas discussões, identifica-se, como marco inicial dos itinerários de reformulação do ensino médio o evento realizado em Brasília em junho de 2003, que de acordo com Silva,

O Seminário Nacional de Ensino Médio, organizado pela Secretaria de Ensino Médio e Tecnológico (Semtec). Já nesse momento são enunciadas as ideias centrais que darão sustentação conceitual, epistemológica e metodológica às trajetórias que assumirão as iniciativas de reformulação do ensino médio: trabalho, ciência e cultura como conceitos estruturantes, base da formação humana e da organização pedagógico-curricular e, aliado a essas proposições, o reconhecimento dos sujeitos, sobretudo dos jovens, como basilar na configuração das finalidades da última etapa da educação básica (SILVA, 2015, p. 372).

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Ainda, segundo a autora, essas orientações e concepções são materializadas, nove anos depois, na Resolução CNE/CEB nº 02, de 2012, dando origem a novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM): Art. 5º, o Ensino Médio em todas as suas formas de oferta e organização, baseia-se em: VIII - integração entre educação e as dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura como base da proposta e do desenvolvimento curricular (BRASIL, 2012, p. 2).

Assim, de acordo com Silva (2003), a determinação quanto à composição curricular entre base comum e parte diversificada não se constitui propriamente em uma inovação. A intenção de se instituir mínimos curriculares nacionais, salvaguardando características locais, já estava presente nas instruções legais que antecedem à legislação atual. Essas determinações constavam da Lei nº 5.692, de 1971, que, em seu art. 4º, previa a organização dos currículos das escolas de 1º e 2º graus composta por um núcleo comum obrigatório e por uma parte diversificada, com o fim de atender às peculiaridades regionais, como também às características individuais dos alunos.

Nota-se que a construção de um currículo do ensino médio vem se modelando já alguns anos, de modo que atenda a estratégia 3.2 do PNE que diz ser “direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento [...] com vistas a garantir a formação básica comum” (BRASIL 2014). A organização com ênfases de escolha para uma ou outra área contraria tanto a Constituição Federal, quanto a LDB que asseguram o desenvolvimento pleno do educando e a formação comum como direito, uma vez que não se pode aceitar uma organização curricular por meio de “opções formativas” e a inclusão de “temas transversais”.

Como colocado pelo Observatório do Ensino Médio (2016), é necessário uma organização curricular que respeite as diferenças e os interesses dos jovens e ao mesmo tempo assegure a formação básica comum e de qualidade, conforme afirma as DCNEM de 2012.

Nesse contexto, de acordo com a Lei 13.415/2017, Brasil (2017), em seu Art. 3º reza que, a LDB de 1996, passa a vigorar acrescida do seguinte Art. 35-A. A Base Nacional Comum Curricular definirá direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio, conforme diretrizes do Conselho Nacional de Educação nas seguintes áreas do conhecimento: I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas.

Já o Art. 4º diz que: o art. 36 da LDB de 1996, que trata especificamente do currículo do EM, passa a vigorar com as seguintes alterações: Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber em que dispõe: I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas; V - formação técnica e profissional.

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No § 2º, desse mesmo artigo, também incluído pela Lei nº 13.415 de 2017, reza que: A Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino médio incluirá obrigatoriamente estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia. (BRASIL, 2017)

Nesse sentido algumas questões se tornam intrigantes, pois sendo inserido obrigatoriamente estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia, questiona-se: como ficarão essas disciplinas no currículo do ensino médio? Nessa visão, a educação física deixa de ser componente curricular obrigatório da educação básica e passa a ser compreendida como estudos e práticas. Será que as aulas de educação física serão plenamente substituídas por atividades realizadas fora do ambiente escolar? Retorna-se ao passado, com aulas de educação física no contra turno, divididas por gênero e com caráter de treinamento?

Essas são algumas das inquietudes que, ainda, não têm respostas, e pela qual a educação física no ensino médio perpassa, visto precisar de discussões que fundamentam e ampliem sua importância e contribuição à formação humana.

Diante do preocupante cenário para toda a educação básica e, principalmente, para o ensino médio, questiona-se o que pensar, então, sobre a educação física, que teve sua legitimidade relativizada? Provavelmente, os professores de educação física trabalharão no EM por meio de projetos e atividades extracurriculares, comprometendo de forma significativa a prática pedagógica da disciplina nas instituições de ensino, o que agrava questões como carga horária dos profissionais de educação física, questões salariais entre outros.

Educação Física no Instituto Federal de Goiás - IFG frente à reforma do ensino médio

Como colocado na introdução, será apresentada um relato de um caso particular de projeto do EM. Trata-se de um relato de experiência da mobilização dos jovens do EM, diante da MP 746, estudantes de cursos de formação integrada de tempo integral no Instituto Federal de Goiás, Campus Goiânia Oeste.

A Educação Física, nessa instituição em particular, se apresenta como componente curricular obrigatório nos três anos do Ensino Médio, sendo 4 aulas semanais no 1º e 2º anos, com carga horária de 144h e 2 aulas semanais e com carga horária de 72h no 3º ano, sendo a disciplina articulada a realidade dos cursos com o título Educação Física: trabalho, saúde e lazer, que tem como objetivo contribuir na formação humana com base nos temas da cultura corporal (SOARES et. al., 2009). Os cursos oferecidos pela instituição são: Técnico Integrado Integral em Nutrição e Dietética, Análises Clínicas e Vigilância em Saúde.

Diante as dificuldades anunciadas para o cenário educacional, envolvendo cortes de verba, congelamento por 20 anos de recurso, reformas do ensino médio e a MP 746, em outubro de 2016, o campus, IFG Goiânia Oeste, foi ocupado pelo Movimento Estudantil. Momento de tensão, incertezas e expectativas. Os estudantes, perante as possíveis perdas e as repentinas mudanças no cenário político e econômico do país, encontravam-se num ambiente de descontentamento. Porém se depararam frente a uma situação inusitada e desafiadora, onde decidiram ocupar a instituição como forma de protestar e garantir a qualidade, gratuidade e melhoria no ensino.

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Após comunicar a gestão do campus, o grupo composto inicialmente pelo segundo e terceiro anos, foi se mobilizando e ganhando apoio dos demais estudantes e servidores. Os estudantes encontraram na ocupação uma oportunidade de unificar forças e mobilização para reivindicar e questionar as reformas do governo.

Naquela ocasião foram realizadas várias ações pelo grupo, com a intencionalidade de esclarecer estudantes, pais e comunidade escolar sobre os motivos da ocupação, no intuito de que o movimento ganhasse mais força com a participação de outros campus e da sociedade como um todo.

Passeatas, palestras, reuniões, oficinas, divulgação na mídia, caravana à Brasília foram algumas das ações desenvolvidas pelo movimento no campus. Dentre as atividades pedagógicas propostas foi realizada uma mesa sobre a discussão da Medida Provisória 746, a fim de discutir, refletir e debater sobre o conteúdo dessa MP, bem como a situação da EF e artes, além da retiraria das disciplinas de sociologia e filosofia do ensino médio. Esta mesa composta por um(a) professor(a) de cada disciplina apresentou as conquistas e as fragilidades de cada área frente ao atual contexto.

Diante de um cenário crítico, os servidores, desse campus em particular, aderiram ao movimento e deflagraram greve, obtendo adesão de vários outros campus do IFG em momentos posteriores. Este protagonismo foi um marco dentro do campus, por ser um campus novo, numa sede provisória (sem perspectiva conclusão das obras para a sede definitiva), no seu segundo ano de funcionamento dos cursos técnicos, EJA e Superior, e, fundamentalmente, pela iniciativa dos estudantes.

Protagonismo e história: a luta por “Nenhuma Educação Física a menos”

No curso das condições históricas regressivas ante as conquistas sociais, a definição da Educação Física como um campo de conhecimento de Estudos e Práticas, e não como disciplina curricular, revela o diapasão que temos a enfrentar. O recuo dos direitos sociais, como tendência e a sintonia aos interesses do mercado são tendências da história que expressam o plano do capital para a educação e no limite para a sociedade em sentido universal. Não por acaso essas empreitadas do grande capital alcançam todas as dimensões da materialidade social com uma certa coerência interna, seguindo os mesmos princípios de organização da vida humana.

Nestas tensões a classe trabalhadora também se organiza e luta pela afirmação de seu projeto histórico, no qual, a questão dos direitos sociais é pauta fundamental e no bojo destes direitos, está o direito à Educação e à Educação Física. A luta pela afirmação e legitimidade da Educação Física revela sua imbricação à luta pelas conquistas da classe trabalhadora no âmbito das relações sociais.

Quando se pensa a realidade social à forma da razão comum, a Educação Física, assim como os estudos de diferentes idiomas, da Arte e Música, emergem sob a aparência de desnecessários e facilmente se justifica a substituição de suas cargas horárias pelo estudo e aprofundamento de disciplinas que tenham direta relação com a formação técnica/profissional numa lógica de organização curricular flexível (autoritária e perversa).

Em enfrentamento a essa perspectiva essencialmente mercadológica, o Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio (que aglutina em si várias entidades da sociedade civil, dentre elas o Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte – CBCE), possui como pautas de luta:

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  • Uma organização curricular que respeite as diferenças e os interesses dos jovens e ao mesmo tempo assegure a formação básica comum e de qualidade conforme as DCNEM de 2012;
  • A consolidação de uma forma de avaliação no Ensino Médio que possibilite o acompanhamento permanente pelas escolas do desempenho dos estudantes com vistas à contenção do abandono e do insucesso escolar;
  • A ampliação dos recursos financeiros com vistas à reestruturação dos espaços físicos, das condições materiais, da melhoria salarial e das condições de trabalho dos educadores;
  • Construção de novas escolas específicas para atendimento do EM de tempo integral;
  • Indução à formação de redes de pesquisa sobre o EM com vistas a produzir conhecimento e realizar um amplo e qualificado diagnóstico nacional;
  • Articulação de uma rede de formação inicial e continuada de professores a partir de ações já existentes como PARFOR e PIBID;
  • Fomento a ações de assistência estudantil com vistas a ampliar a permanência do estudante na escola;
  • Atendimento diferenciado para o EM noturno de modo a respeitar as características do público que o frequenta; elaboração e aquisição de materiais pedagógicos apropriados, incluindo os formatos digitais;
  • Criação de uma rede de discussões para reconfiguração dos cursos de formação inicial de professores, envolvendo as várias entidades representativas do campo educacional, estudantes, professores e gestores.

Ademais, o próprio Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte escreve em sua nota de Repúdio ao “Novo Ensino Médio”, que:

No caso da Educação Física, essa medida negará aos estudantes a oportunidade de apropriarem-se daqueles saberes que proporcionam a leitura, compreensão e produção das práticas corporais, entendidas como formas de expressão dos grupos sociais. Isso significa a impossibilidade de conhecer, desfrutar e transformar uma parcela do repertório cultural disponível. Pelas razões acima expostas, exigimos que o Ministério da Educação retire de pauta a MP e estabeleça canais de diálogo com os vários setores da sociedade civil acerca da política educacional do País. (CBCE, 2016).

A forma como o conjunto de normativas legais relativas à Reforma do Ensino Médio têm sido referendadas pelo governo brasileiro repõem o autoritarismo e a autocracia como tendência de organização política do Estado Brasileiro, ao passo que sua pretensa irrefutabilidade busca angariar base material e força social nos ordenamentos orçamentários, definindo a política educacional restritiva à participação da sociedade civil e legislando como um comitê à serviço da burguesia, alheio ao diálogo e à conciliação de interesses das diferentes forças sociais.

Esta tendência “bonapartista” destila univocamente aspirações pragmáticas para a Educação, e julga procedente prescindir da participação da classe trabalhadora em sua marcha farsante. Contudo, à própria história é que se tributa o critério de verdade, porquanto, ela mesma nos dirá se esta tendência se confirmará ou não no curso das lutas da classe trabalhadora por nenhuma conquista a menos.

Considerações finais

Entende-se que para alterar de fato a qualidade do que é oferecido e ampliar as possibilidades de acesso, permanência e conclusão do Ensino Médio seria necessário um conjunto articulado de ações envolvendo, para sua execução, as redes de ensino e esferas de poder em torno de uma ação conjunta.

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Não se tratou nesse trabalho, sobre questões, como por exemplo, da escola de ensino médio em tempo integral, o financiamento, que se torna uma questão fundamental nessa reformulação, no entanto, é fundamental, a construção de escolas específicas para atendimento do tempo integral, pois apenas ampliar o período sem condições básicas para o ensino, torna-se uma reformulação desnecessária, uma vez que as escolas atuais não possuem condições mínimas para esse tipo de trabalho. E necessário também o fomento a ações de assistência estudantil com vistas a ampliar a permanência do estudante na escola, bem como a ampliação dos recursos financeiros com vistas à reestruturação dos espaços físicos, das condições materiais, além da melhoria salarial e das condições de trabalho dos educadores.

O notório saber é outro aspecto da Lei que merece uma discussão aprofundada que, apesar de ser restrita ao quinto itinerário formativo, ou seja, à formação profissional técnica de nível médio, pode abrir precedentes para os outros itinerários formativos.

No que concerne à educação física, é notório que se está perdendo espaço na educação básica, uma vez que ela não será obrigatória no ensino médio e será tratada apenas como estudos e práticas. Contudo, para além da educação física, o que está em jogo é o esfacelamento do currículo da escola, a concepção de ensino médio e a organização pedagógica, diante da mudança de dois parágrafos da LDB que exclui a obrigatoriedade da educação física, artes, sociologia e filosofia, como discutido acima, além da alteração de todo o artigo 36, que trata do currículo do ensino médio.

Nessa perspectiva, essas mudanças e transformações do ensino médio necessitam da participação de toda a sociedade, com diálogos e discussões permanentes, tendo a participação de todas as representações do campo educacional.

Sobre os autores

ANEGLEYCE TEODORO RODRIGUES • Doutora pela Faculdade de Educação da UFG. Professora da Faculdade de Educação Física e Dança. Professora do Programa de Pós-Graduação do Centro de Ensino e Pesquisas Aplicadas à Educação da UFG. Membro do Grupo de Pesquisas em Educação Física, Teoria Social e Educação. (Grupo Práksis). Membro do GT Escola do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Editora da Revista Pensar a Prática da Faculdade de Educação Física e Dança.

Endereço de e-mail: eodoro.fef@hotmail.com

Endereço do Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0836491961983667.

ELIENE LACERDA PEREIRA • Mestre em Educação Física pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás. Membro do Grupo de Pesquisa Etnográfica em Educação Física e Esporte – ETHNOS.

Endereço de e-mail: elienemorango@gmail.com

FERNANDO SILVA • Doutorando do programa de educação escolar da UNESP – Araraquara. Mestrado em História, Cultura e Poder pela PUC. Possui graduação em Educação Física pela UFG e. Atualmente é professor titular da Universidade Estadual de Goiás em regime de RTIDP (Regime de Tempo Integral à Docência e à Pesquisa). Membro do GT 6 – Educação Física do VII Encontro de Didática e Prática de Ensino (EDIPE).

Endereço de e-mail: fernando.ueg@hotmail.com

LÊNIN TOMAZETT GARCIA • Doutor pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Professor da Faculdade de Educação Física e Dança da UFG. Membro do Grupo de Pesquisas em Educação Física, Teoria Social e Educação (Grupo Práksis).

Endereço de e-mail: lenintomazettgarcia@gmail.com

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Referências

BRASIL. Decreto - Lei 4073/42 / Decreto-lei no 4.073, de 30 de janeiro de 1942. Disponível em: https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/126678/decreto-lei-4073-42. Acesso em: 30 jan. 2018.

BRASIL. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2018.

BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5540compilada.htm. Acesso em: 30 jan. 2018.

BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-agosto-1971-357752-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 30 jan. 2018.

BRASIL. Decreto 69450/71 / Decreto no 69.450, de 1 de novembro de 1971. Disponível em: https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/115100/decreto-69450-71. Acesso em: 30 jan. 2018.

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